domingo, 23 de dezembro de 2012

Grandes Esperanças - Charles Dickens

A obra de Charles Dickens justifica sua tamanha popularidade em meados do século XIX. Popularidade esta que se estende até os dias de hoje, pois ele está entre os escritores ingleses mais apreciados do mundo. Seus livros são adaptados para a TV, Cinema, teatro e séries, provocando emoções mesmo depois de tantos anos de lançamento. Um dos seus romances mais populares é, sem dúvida, "Grandes Esperanças". Publicado entre 1860 e 1861, em forma de folhetim, como era comum. Logo no início temos o sofrimento do órfão Pip, que sofre com a convivência difícil ao lado da irmã mais velha, uma tremenda megera que lhe impõe duros castigos por ter a obrigação de criá-lo. Pip está no cemitério da do povoado lendo as inscrições nos túmulos de seus pais, quando encontra o homem que mudaria sua vida: um forçado fugindo das galés, homem de aparência cruel que aterroriza o pobre menino com ameaças, e, através do medo, consegue a ajuda de Pip. Mas na vida do órfão não há apenas pessoas ruins, ele tem a companhia e o apoio do ferreiro John Gargery, o marido de sua irmã, homem bom e honesto que pretende tornar Pip herdeiro de seu ofício. Como todo romance de Charles Dickens, não poderiam faltar os personagens estranhos, como a misteriosa Miss Havisham, a mulher mais rica do povoado que, depois de uma decepção amorosa, permanece vestida com o vestido de noiva e mantendo no quarto todas as lembranças do casamento que não aconteceu. Temos também Estela, a filha adotiva de Miss Havisham, grande paixão do pobre Pip. As esperanças de menino não são grandiosas, até o dia em que um advogado vai até sua casa e o informa de que é herdeiro de grande fortuna, sendo que poderá ir até Londres e se transformar num verdadeiro cavalheiro. A identidade do bondoso que o ajudou não é informada. O romance é dividido em três partes e trata da bondade, desejo, culpa. Quando Pip vai viver em Londres ele faz de tudo para se tornar digno para casar-se com estelo, e este desejo louco faz com que ele despreze sua vida passada e mesmo as pessoas que sempre foram bondosas para com ele, como seu cunhado John Gargery, por exemplo. Ao mesmo tempo em que abandona os parentes e amigos do povoado, o jovem se sente culpado por tomar tais atitudes, mas não deixa de fazer da sua vida uma mar de consumo e de vida pouco produtiva, o que o leva a dívidas e problemas finaceiros. As grandes esperanças de Pip não foram realizadas da forma como ele pretendia, mas ele acaba descobrindo através da dor e do sofrimento que seus sonhos de entrar para a alta sociedade não o tornaram mais feliz e só o afastaram da vida na qual ele realmente estava inserido. 
A empatia do leitor com o protagonista talvez não seja tão natural, pois ele é um personagem sincero, que busca através da culpa o perdão dos leitores pelas suas faltas. 
Assim como "David Copperfield", "Grandes Esperanças" tem traços autobiográficos, pois Dickens sofreu em sua infãncia com a pobreza, tendo que trabalhar desde cedo para ajudar nas despezas da sua família, sendo que seu pai chegou até a ser preso por dívidas. 
O órfão Pip e tantos outros deste romance entram para a galeria dos melhores criados pelo mestre Charles Dickens. 




quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Os Miseráveis - Victor Hugo

Uma obra que sempre me causou curiosidade, assim eu definia o romance "Os Miseráveis" antes de lê-lo. Depois que consegui fazer a leitura do livro, classifico como um livro que nunca vou esquecer. 
O ex-forçado Jean Valjean converteu-se num dos personagens mais emblemáticos da literatura mundial, modificando sua vida através de uma boa ação, ele se torna quase um "santo" e retribui às pessoas a nova chance que recebeu. 
 Publicada em 3 de abril de 1862, pelo escritor Francês Victor Hugo, a obra continua viva no imaginário dos leitores trazendo, além de Jean Valjean, personagens intensos como a sofrida Fantine, sua filha Cosette, o jovem apaixonado e republicano Marius...além do órfão Gravouche, do casal Thenardier, que tinha como princípio não ter princípios, e de um dos melhores policias da Literatura mundial: o obstinado Javert.
O enredo de "Os miseráveis" é da mesma forma intenso, com uma história de sofrimento, esperança, miséria e compaixão. 
A luta de Jean Valjean e da menina Cosette para recomeçarem suas vidas é a luta do dia-a-dia de cada cidadão, e, mesmo que a história aconteça em meados do século XIX na França, expõe uma Europa diferente da que constumamos ver, uma Europa onde há pessoas que viviam sem dignidade alguma, onde crianças são abandonadas nas ruas e têm que lutar desde a mais tenra infância pelo pão de cada dia, onde mulheres têm de se prostituir e são presas e julgadas por isso. 
Hugo narrou seu romance magistral numa linguagem que representou para a literatura "o mesmo que a Revolução Francesa na História", segundo o crítico Sérgio Paulo Rouanet.
Nenhum outro romance se aproxima do estilo único de "Os Miseráveis" que, por tratar de temática sempre atual, recebeu inúmeras adaptações para a TV, o cinema, o teatro. 

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O poder persuasivo e sedutor de Rebecca e Raquel

Teriam algumas mulheres a capacidade de, mesmo sem intenção, atrair a tragédia para si e 
para os que a rodeiam? Em dois romances muito populares da escritora inglesa Daphne Du Maurier, “Rebecca” e “Minha prima Raquel”, temos direta ou indiretamente este conceito. A mulher vista como perdição para os homens que dela se aproximam, que destrói tudo o que toca; um papel cruel relegado a ela por diferentes sociedades em diversos períodos da história.  Em tempos distantes muitas foram levadas a fogueira ou condenadas a sofrer humilhações públicas por praticarem atos que contrariavam o pensamento geral da sociedade. 
Ser mulher é carregar desde cedo muitas expectativas. Rebecca e Raquel tinham seu papel definido na sociedade: esposas dedicadas que carregavam em si encantos especiais, capazes de conquistar pessoas através da presença cativante.  Mas ao demonstrarem a face oculta que a sociedade condena, as duas receberam o mesmo julgamento, restando-lhes a morte como ponto final para uma vida misteriosa e cheia de peripécias.
A Imagem da mulher como ser dissimulado, capaz de usar seus atributos para conseguir o que quer, levou muitas à fogueira no período de caça às bruxas, além de formar um conceito desde cedo enraizado no qual o ser humano do sexo feminino tem em si uma perversão natural e o poder de persuasão que pode levar homens a compartilharem esta perdição.
Daphne Du Maurier apresenta, através destes dois romances, duas personagens emblemáticas e deixa claro que, assim como aconteceu com Capitu, Emma Bovary e Anna Karênina, a sociedade não perdoaria o comportamento de Rebecca e Raquel, pois elas também pisaram em terreno pedregoso e tiveram que pagar um preço por isso. 

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Machado de Assis - o Bruxo do Cosme Velho faz aniversário


No ano de 1839 nasceu precisamente neste dia, 21 de junho, um dos maiores escritores da língua portuguesa. Este escritor recebeu o nome de Joaquim Maria Machado de Assis, nome este que ficou marcado para sempre na história da Literatura. 
Todos os brasileiros deveriam lembrar-se deste dia com muito carinho, pois este homem representa o Brasil no que tem de melhor: sua cultura. 
No fim do século XIX, Machado de Assis fundou, junto com outros grandes nomes da Literatura Brasileira, a Academia Brasileira de Letras, da qual foi presidente desde 1896 até o ano de sua morte, 1908. 
Machado de Assis é uma das razões pelas quais eu me orgulho deste belo país chamado BRASIL.

domingo, 17 de junho de 2012

Sonata a Kreutzer - Leon Tolstói

Os sentimentos exaltados que esta novela evoca encontram paralelo na famosa peça de Beethoven conhecida como Sonata a Kreutzer, composta em 1803, que não apenas inspirou o título do livro como constitui um de seus motivos centrais.
Leon Tolstói era um homem muito sensível à música. Tão sensível que acreditava que ela poderia ter grande influência sobre o homem.  Foi justamente ao ouvir uma apresentação dessa sonata em sua própria casa, na primavera de 1888, que ele retomou uma ideia que já o ocupara antes: retratar, de forma aguda e radical, o desequilíbrio nas relações entre homens e mulheres, a questão da infidelidade no casamento e a hipocrisia social que cerca tudo o que diz respeito ao sexo.
O enredo dialoga com as escalas vertiginosas do piano e do violino na sonata de Beethoven, e no qual o andamento inexorável da tragédia se soma à lucidez cristalina da linguagem. A novela foi considerada escândalosa na época do seu lançamento, no ano de 1891, e até mesmo antes disso, quando seus manuscritos foram lidos dentro e fora da Rússia. Posteriormente, o livro chegou a ser proibido nos Estados Unidos. 
Podzdnischeff conta sua história de boêmia, ciúmes e tragédias para o narrador que vê-se envolvido naquela nova situação durante uma viagem de trem, na qual o desconhecido escuta uma conversa sobre questões envolvidas ao casamento. Começa então a narração do edílio sentimental de um homem que se reconhece seus erros em alguns pontos: a boêmia exagerada na juventude, o casamento que trouxe-lhe tantos problemas, a sensualidade mantida mesmo enquanto sua esposa cumpria com os "deveres" de mãe.
O fim trágico da relação com a esposa é digno de outra obra de Tolstói, o grande romance "Ana Karênina", no qual a protagonista também perde a vida, depois de ficar perdida numa rede de traições, ciúmes e remorsos. Mas, ao contrário de Ana, a esposa de Podzdnischeff, personagem feminina de Sonata a Kreutzer, não escolhe a morte. Neste ponto é o homem que toma a decisão, sem nem ao mesmo ter uma confissão da parte da mulher. Podzdnischeff  age como juiz e condena a mãe de seus filhos à pena de morte, sob a acusação de traição. 
Com certeza esta obra de Leon Tolstói deve ser leitura obrigatória para todos aqueles que apreciam enredos e personagens fortes, complexos e bem construídos, aliados a um contexto histórico e espaço peculiares, estilo inconfundível do grande escritor russo. 





domingo, 11 de março de 2012

Dor de amor...

Em qualquer tempo ou escola literária se sofre por amor. São súplicas para que a pessoa amada volte, lembranças dos bons momentos, e tantas outras coisas que, colocadas num poema, conto, romance, tornam poética a triste situação.
Para começar, este soneto de Olavo Bilac:

Maldição

Se por vinte anos, nesta furna escura,
Deixei dormir a minha maldição,
_ Hoje, velha e cansada da amargura,
Minha alma se abrirá como um vulcão.

E, em torrentes de cólera e loucura,
Sobre a tua cabeça ferverão
Vinte anos de silêncio e de tortura,
Vinte anos de agonia e solidão...

Maldita sejas pelo ideal perdido!
Pelo mal que fizeste sem querer!
Pelo amor que morreu sem ter nascido!

Pelas horas vividas sem prazer!
Pela tristeza do que eu tenho sido!
Pelo esplendor do que eu deixei de ser!..

Depois de vinte anos de silêncio, a explosão de sentimentos acontece de uma forma atormentada, eu imagino este homem dizendo tudo isso à mulher que o fez sofrer. Com certeza a situação não ficaria nada tranquila.
Outro que também gritou sua dor foi o grande poeta Castro Alves:

4a SOMBRA - FABÍOLA

Como teu riso dói... como na treva
Os lêmures respondem no infinito:
Tens o aspecto do pássaro maldito,
Que em sânie de cadáveres se ceva!

Filha da noite! A ventania leva
Um soluço de amor pungente, aflito...
Fabíola!... É teu nome!... Escuta é um grito,
Que lacerante para os céus s'eleva!...

E tu folgas, Bacante dos amores,
E a orgia que a mantilha te arregaça,
Enche a noite de horror, de mais horrores...

É sangue, que referve-te na taça!
É sangue, que borrifa-te estas flores!
E este sangue é meu sangue... é meu... Desgraça!


Ver a mulher que o fez sofrer divertir-se sem nenhuj sentimento de culpa enquanto ele ainda sofria as dores do amor perdido, foi um golpe duro demais para ele. O poeta utiliza esta mesma temática no poema "Adeus", que mereceu até mesmo uma resposta da referida amada Eugênia Câmara.
E quando a falta se faz por meio dos detalhes da vida em comum? É o caso deste texto de Dalton Trevisan:

Apelo

Amanhã faz um mês que a Senhora está longe de casa. Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa de esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom ainda no lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de relance no espelho.

Com os dias, Senhora, o leite primeira vez coalhou. A notícia de sua perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da escada. Toda a casa era um corredor deserto, até o canário ficou mudo. Não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite eles se iam. Ficava só, sem o perdão de sua presença, última luz na varanda, a todas as aflições do dia.

Sentia falta da pequena briga pelo sal no tomate meu jeito de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? Às suas violetas, na janela, não lhes poupei água e elas murcham. Não tenho botão na camisa. Calço a meia furada. Que fim levou o saca-rolha? Nenhum de nós sabe, sem a Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas mastigando. Venha para casa, Senhora, por favor.

Sem amor a casa fica vazia e, pequenos detalhes, antes ignorados, agora fazem uma tremenda falta e parece que não pode existir vida longe disso. Definitivamente, o que seria da cultura sem o amor?


domingo, 26 de fevereiro de 2012

Danielle Steel


Em toda a minha vida eu li apenas dois romances da famosa escritora norte-americana Danielle Steel. Quando eu era adolescente li "O segredo de uma promessa" e fiquei encantada com o enredo, embora entendesse que era bem fantasioso, parecia mesmo uma novela de TV ou um filme romântico.
Já na idade adulta, quanto eu tinha uns 23 anos, ganhei um outro romance dela de presente, na verdade veio para mim numa caixa, entre outros tantos livros usados. O título é "Um longo caminho para casa". Confesso que depois de ter me formado em Letras e escutar muitos comentários ruins acerca de autores como ela, senti uma ponta de preconceito e comecei a evitar a leitura. Não aceitava mais a ideia de uma autora se tornar personalidade conhecida e até mais importante que os próprios romances. Só agora, aos 26 anos, resolvi dar uma chance ao romance de Danielle Steel.
Confesso que fiz isso para aliviar um pouco minha mente, já que estava lendo "O Poderoso chefão" de Mario Puzo (que muito críticos julgam de forma pejorativa, assim como julgam Danielle Steel). Li o romance "Um longo caminho para casa" em apenas 6 dias, record para mim, já que costumo demorar na leitura.
Logo no início fiquei chocada, uma menina de seis anos se escondendo da mãe com medo de ser encontrada. Pensei que ela iria levar uma bronca, mas, ao invés disso, recebeu ofensas, humilhações, e o pior, chutes e pontapés que a deixaram caída no chão, sem forças para se levantar. E tudo isso sob olhar do pai, que no início acreditei ser mais uma vítima da horrível Eloise, que espancava a filha e a tratava como se estivesse num quartel, porém, com o caminhar da trama notei que John, pai da garotinha espancada, era um covarde e, com sua covardia, se tornava desprezível aos meus olhos.
A pobre garotinha, que por sinal se chama Gabriella, sofre as maiores atrocidades desde a mais tenra idade (sua mãe utiliza castigos físicos desde que a filha tinha pouco mais de um ano), o que faz com que, aos seis anos, já tenha experiência de vida suficiente para julgar o ser humano e tomar conclusões sobre sua própria personalidade. É como se ela tivesse vivido mais do que uma pessoa de quarenta anos que já tivesse participado de umas duas ou três guerras.
E o sofrimento da pobre menina não acaba...o pai dá a cartada final, abandonando a filha aos nove anos, aos cuidados da mãe violenta. Costelas quebradas, tímpanos feridos depois, A megera Eloise resolve abandonar a menina num convento, já que iria se mudar de Nova York para San Francisco para se casar com outro homem. Gabriella tinha apenas dez anos, mas já havia vivido e sofrido muito. Fiquem calmos leitores, o convento descrito no romance não é tenebroso como em muitos outros, pelo contrário, lá a menina encontra a paz, embora não consigo se livrar de seus fantasmas do passado.
Sob os cuidados de Irmã Gregória, Gabriella cresce tendo paz pela primeira vez em sua curta vida. Para fugir das atrocidades de sua vida com os pais, a menina havia desenvolvido o gosto pela escrita, o que a ajuda muito, pois ela entra na faculdade e se forma com louvor, embora tenha medo de se infiltrar no "mundo real", que já tanto a machucou.
Eu esperava a redenção, acho que estes romances da Danielle Steel têm o poder que causar esta angústia nos leitores. Achei que ela viria quando a doce postulante Gabriella (ela resolvera abraçar a vocação religiosa quando terminara a faculdade) conhece o Padre Joe Connors. Atlético, jovem, bonito, interessante, bem-humorado, o reverendo era o homem perfeito para trazer amor ao coração inocente de Gabriella. Eu, que sou católica, confesso que torci para que os dois ficassem juntos. Mas o amor por Joe só trouxe mais sofrimentos à jovem postulante, já que ele, assim como seu pai, não tivera coragem suficiente para assumir seu amor por ela, e acabou se suicidando quando ela ainda sonhava com o futuro matrimônio. Para piorar, Gabriella perde o bebê que esperava e quase morre, além de ter que sair do convento e dizer "Adeus" para as freiras que tanto a amaram e a ajudaram.
Quando nada poderia ficar pior, eu já havia desistido da tão sonhada redenção, do momento em que Gabriella finalmente seria feliz, afinal de contas, é isso que se espera de um enredo como este. Ela se hospeda numa pensão pobre, de propriedade de uma imigrante polonesa. Lá, conhece um professor aposentado idoso que logo se identifica com a jovem e passa a protegê-la, tornando-se seu confidente e ajudando-a na carreira como escritora; mas logo a pobre menina terá ainda outra decepção, o namorado, Steve Poter, é um explorador e tenta viver às suas custas, logo ela descobre que ele é um homem perigoso, procurado pela polícia. Para piorar, Gabriella perde o amigo professor (mas recebe uma herança dele). Quando Steve descobre que não pode mais enganar a jovem e não conseguirá tirar mais dinheiro dela, resolve matá-la, dando-lhe uma surra que a fez lembrar a infância dolorosa ao lado dos pais. Mas onde está "o caminho para casa"? Ao passar pelo setor de traumatologia de um grande hospital e ficar em coma por muito tempo, Gabriella conhece um médico que carrega algumas características do antigo amor, o finado padre Joe...ele também é bonito, bem-humorado e, melhor do que Joe, já que é um homem decidido.
Mas o romance entre os dois está apenas começando quando o livro termina e, o tal "caminho para casa" era, na verdade, alguma resposta que Gabriella teria de ter sobre o amor que seus pais nunca sentiram por ela.
Não me sinto arrependida pela leitura, mas acredito que falta alguma coisa. Não sei, acho que me senti assistindo a uma novela de TV mesmo, com suas reviravoltas, peripécias amorosas e "casos de família" singulares. Ao contrário do que procurava, esta leitura não foi leve, pelo contrário, em certos pontos foi bem pesada, já que conheci uma sucessão de tragédias na vida de Gabriella, que termina o romance com menos idade do que a que estou agora.
Sem contar nos inúmeros vilões que deixam Teresa Cristina no chinelo, afinal de contas, para a sociedade não há nada pior do que maltratos à crianças, especialmente filhos. E o que dizer de Steve Poter? Um charlatão da pior espécie, gigolô explorador de mulheres. Para ser uma novela de TV faltaria apenas um galã, pois o atormentado Padre Joe não seria classificado como tal devido ao desfecho que teve, e o médico bonitão aparece já no final do romance, falta-lhe tempo para desenvolver melhor sua relação com Gabriella e conquistar o público feminino leitor.
sabe o que eu imagino? Como seria uma novela de TV baseada nos romances de Danielle Steel. Se algum autor juntasse "O segredo de uma promessa", "Um longo caminho para casa", "Um mundo que mudou", "Porto seguro" (não li os dois últimos mas conheci o enredo através de filmes). Acho que seria uma boa trama, quem seria a protagonista? Qual enredo conquistaria mais o público? São perguntas que me faço neste momento...


terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O retrato de Dorian Gray e O retrato oval - comparação

"Imagem não é nada". Este slogan povoou a mídia por algum tempo, mas será mesmo verdade que ele encerra o verdadeiro conceito humano da importância da imagem? Duas obras desmentem esta verdade absoluta pregada pelo já referido slogan.
No romance "O retrato de Dorian Gray" do irlandês Oscar Wilde, temos o personagem título que carrega em si um pensamento atemporal, a vontade de ser jovem e belo para sempre. A vaidade contida em Dorian Gray é notavelmente acrescida quando percebida as vantagens que sua esplêndida beleza acarreta: ser o centro das atenções, o homem mais desejado (em termos de amor e amizade).
No conto "O retrato oval" do norte-americano Edgar Allan Poe, um personagem sem nome, apresentado apenas pela profissão de pintor, ama a arte acima de tudo, mas, diferente de Dorian, ele não valoriza a própria beleza, mas a beleza que a arte proporciona.
A partir deste ponto encontramos um ponto de convergência entre as duas obras; enquanto Dorian deseja a beleza presa no quadro, que nunca se diluirá nem sofrerá as agruras do tempo, o pintor deseja alcançar a perfeição na obra que pinta, para que a imagem humana da beleza perfeita não se perca através dos tempos.
O mesmo desejo que impulsiona os dois personagens também acarreta consequências e, desta forma, Dorian e o pintor descobrem que o slogan apresentado nestas primeiras linhas pode ter um fundo de verdade.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Por um pé de feijão - Antônio Torres

Nunca mais haverá no mundo um ano tão bom. Pode até haver anos melhores, mas jamais será a mesma coisa. Parecia que a terra (á nossa terra, feinha, cheia de altos e baixos, esconsos, areia, pedregulho e massapê) estava explodindo em beleza. E nós todos acordávamos cantando, muito antes do sol raiar, passávamos o dia trabalhando e cantando e logo depois do pôr-do-sol desmaiávamos em qualquer canto e adormecíamos, contentes da vida.
Até me esqueci da escola, a coisa que mais gostava. Todos se esqueceram de tudo. Agora dava gosto trabalhar.
Os pés de milho cresciam desembestados, lançavam pendões e espigas imensas. Os pés de feijão explodiam as vagens do nosso sustento, num abrir e fechar de olhos. Toda a plantação parecia nos compreender, parecia compartilhar de um destino comum, uma festa comum, feito gente. O mundo era verde. Que mais podíamos desejar?
E assim foi até a hora de arrancar o feijão e empilhá-lo numa seva tão grande que nós, os meninos, pensávamos que ia tocar nas nuvens. Nossos braços seriam bastantes para bater todo aquele feijão? Papai disse que só íamos ter trabalho daí a uma semana e aí é que ia ser o grande pagode. Era quando a gente ia bater o feijão e iria medi-lo, para saber o resultado exato de toda aquela bonança. Não faltou quem fizesse suas apostas: uns diziam que ia dar trinta sacos, outros achavam que era cinqüenta, outros falavam em oitenta.
No dia seguinte voltei para a escola. Pelo caminho também fazia os meus cálculos. Para mim, todos estavam enganados. Ia ser cem sacos. Daí para mais. Era só o que eu pensava, enquanto explicava à professora por que havia faltado tanto tempo. Ela disse que assim eu ia perder o ano e eu lhe disse que foi assim que ganhei um ano. E quando deu meio-dia e a professora disse que podíamos ir, saí correndo. Corri até ficar com as tripas saindo pela boca, a língua parecendo que ia se arrastar pelo chão. Para quem vem da rua, há uma ladeira muito comprida e só no fim começa a cerca que separa o nosso pasto da estrada. E foi logo ali, bem no comecinho da cerca, que eu vi a maior desgraça do mundo: o feijão havia desaparecido. Em seu lugar, o que havia era uma nuvem preta, subindo do chão para o céu, como um arroto de Satanás na cara de Deus. Dentro da fumaça, uma língua de fogo devorava todo o nosso feijão.
Durante uma eternidade, só se falou nisso: que Deus põe e o diabo dispõe.
E eu vi os olhos da minha mãe ficarem muito esquisitos, vi minha mãe arrancando os cabelos com a mesma força com que antes havia arrancado os pés de feijão:
- Quem será que foi o desgraçado que fez uma coisa dessas? Que infeliz pode ter sido?
E vi os meninos conversarem só com os pensamentos e vi o sofrimento se enrugar na cara chamuscada do meu pai, ele que não dizia nada e de vez em quando levantava o chapéu e coçava a cabeça. E vi a cara de boi capado dos trabalhadores e minha mãe falando, falando, falando e eu achando que era melhor se ela calasse a boca.
À tardinha os meninos saíram para o terreiro e ficaram por ali mesmo, jogados, como uns pintos molhados. A voz da minha mãe continuava balançando as telhas do avarandado. Sentado em seu banco de sempre, meu pai era um mudo. Isso nos atormentava um bocado.
Fui o primeiro a ter coragem de ir até lá. Como a gente podia ver lá de cima, da porta da casa, não havia sobrado nada. Um vento leve soprava as cinzas e era tudo. Quando voltei, papai estava falando.
- Ainda temos um feijãozinho-de-corda no quintal das bananeiras, não temos? Ainda temos o quintal das bananeiras, não temos? Ainda temos o milho para quebrar, despalhar, bater e encher o paiol, não temos? Como se diz, Deus tira os anéis, mas deixa os dedos.
E disse mais:
- Agora não se pensa mais nisso, não se fala mais nisso. Acabou. Então eu pensei: O velho está certo.
Eu já sabia que quando as chuvas voltassem, lá estaria ele, plantando um novo pé de feijão.


A colheita é o ápice da vida do lavrador. O momento no qual o homem do campo fecunda a terra é o tempo da esperança, mas também da angústia, pois, se os frutos forem bons, haverá fartura, mas há fatores que fogem do alcance do homem e estes mesmos podem destruir o trabalho de muito tempo em alguns segundos.
No conto "Por um pé de feijão" de Antônio Torres, o protagonista relembra um tempo passado, o melhor de todos os anos, no qual ele vive a esperança e a alegria dos dias que antecedem a colheita.
"Nunca mais haverá no mundo um ano tão bom. Pode até haver anos melhores, mas jamais será a mesma coisa. Parecia que a terra (á nossa terra, feinha, cheia de altos e baixos, esconsos, areia, pedregulho e massapê) estava explodindo em beleza. E nós todos acordávamos cantando, muito antes do sol raiar, passávamos o dia trabalhando e cantando e logo depois do pôr-do-sol desmaiávamos em qualquer canto e adormecíamos, contentes da vida." (TORRES, Antônio. Por um pé de feijão)
A família está unida no trabalho e, trabalhar não é uma obrigação, mas sim, um "gosto". O feijão britou da terra e nada aconteceu para impedir seu desenvolvimento...nenhum fator natural, destruiu a plantação.
Se no episódio da "Criação do mundo" descrito na Bíblia o homem foi criado para cuidar do jardim, no conto citado homem e terra são dependentes um do outro.
"Deus disse: ‘Que a terra verdeje de verdura: ervas que dêem semente e árvores frutíferas que dêem sobre a terra, segundo a sua espécie, frutos contendo a sua semente’, e assim se fez. A terra produziu verdura: ervas que dão semente segundo a sua espécie, árvores que dão, segundo sua espécie, frutos contendo sua semente, e Deus viu que isso era bom. Houve uma tarde e uma manhã: terceiro dia" (Gn 1,11-13).
"Deus disse: ‘Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança, e que eles dominem sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra" (Gn 1,26).
"Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher os criou. Deus os abençoou e lhes disse: ‘Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a; dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a terra’. Deus disse: ‘Eu vos dou todas as ervas que dêem semente, que estão sobre toda a superfície da terra, e todas as árvores que dão frutos que dêem semente: isso será vosso alimento. A todas as feras, a todas as aves do céu, a tudo o que rasteja sobre a terra e que é animado de vida, eu dou como alimento toda a verdura das plantas’, e assim se fez. Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom. Houve uma tarde e um manhã: sexto dia" (Gn 1,27-31).
Podemos fazer outras ligações (ainda mais claras) entre o conto e a Bíblia. As apostas feitas no conto de como seria virtuosa a produção podem ser comparadas à parábola do semeador.
"Era quando a gente ia bater o feijão e iria medi-lo, para saber o resultado exato de toda aquela bonança. Não faltou quem fizesse suas apostas: uns diziam que ia dar trinta sacos, outros achavam que era cinqüenta, outros falavam em oitenta."(TORRES, Antônio. Por um pé de feijão)
"Disse ele: Um semeador saiu a semear. E, semeando, parte da semente caiu ao longo do caminho; os pássaros vieram e a comeram.Outra parte caiu em solo pedregoso, onde não havia muita terra, e nasceu logo, porque a terra era pouco profunda.Logo, porém, que o sol nasceu, queimou-se, por falta de raízes.Outras sementes caíram entre os espinhos: os espinhos cresceram e as sufocaram.Outras, enfim, caíram em terra boa: deram frutos, cem por um, sessenta por um, trinta por um." (Mt 13, 4-8)
Quando o jovem narrador tem, diante de seus olhos, a tragédia da destruição dos campos de feijão, temos o paradoxo entre a esperança bíblica da plantação e o desespero do fogo que destrói a alegria da família.
"E foi logo ali, bem no comecinho da cerca, que eu vi a maior desgraça do mundo: o feijão havia desaparecido. Em seu lugar, o que havia era uma nuvem preta, subindo do chão para o céu, como um arroto de Satanás na cara de Deus. Dentro da fumaça, uma língua de fogo devorava todo o nosso feijão.
Durante uma eternidade, só se falou nisso: que Deus põe e o diabo dispõe."
(TORRES, Antônio. Por um pé de feijão)
Qual será a salvação da lavoura? A força paterna. Enquanto todos lamentam, o patriarca percebe que ainda há como sobreviver, pois existe a força para o trabalho, mesmo que o vento leve a última cinza do feijão queimado pela maldade humana, e, "Deus tira os anéis, mas deixa os dedos".
Enquanto o homem tiver forças para fazer aquilo para o que foi criado, cultivar o jardim, haverá esperança. E o jovem narrador percebe que o velho está certo e, quando as chuvas voltassem, o ciclo da vida continuaria e eles logo estariam fecundando a terra novamente para esperar a colheita.