terça-feira, 22 de março de 2011

Mocidade e Morte - Castro Alves

Já fiz um post neste blog sobre o poeta Castro Alves. Eu dizia sobre a dificuldade de definir sua obra em apenas uma face, já que ele escreveu belos poemas líricos, muito poemas libertários e também poemas cercados por um pessimismo característico do Romantismo de Lord Byron e Musset. O "Poeta dos Escravos" cantava temas nacionais e coletivos, mas, como bom romântico, cultivava o egocentrismo e seus problemas sentimentais. O poeta baiano cuidava de denunciar as injustiças ocorridas em solo brasileiro, mas também buscava inspiração nos moldes franceses e ingleses.
Sentindo a angústia da morte próxima ainda na juventude, Castro Alves via-se cada vez mais próximo de partir deste mundo deixando nele as delícias de uma vida boêmia e de um futuro promissor nas artes literárias. Tal situação rendeu um poema intenso e extremamente pessimista, no qual sentimos a dor do jovem que se depara com uma partida indesejada e precoce.
Um poema, em especial, define o que eu digo, a começar pelo título;



Mocidade e morte

Oh! eu quero viver, beber perfumes
Na flor silvestre, que embalsama os ares;
Ver minh'alma adejar pelo infinito,
Qual branca vela n'amplidão dos mares.
No seio da mulher há tanto aroma...
Nos seus beijos de fogo há tanta vida...
— Árabe errante, vou dormir à tarde
A sombra fresca da palmeira erguida.

Na primeira estrofe temos o boêmio deslumbrado, que sente perder as delícias da paixão ao lado da mulher amada. mas há um estribilho:

Mas uma voz responde-me sombria:
Terás o sono sob a lájea fria.

Ele iria, então, trocar o leito de amor pela lájea fria de um sepulcro.
Há sempre a oposição: A vida que é prazerosa e a Morte que, para Castro Alves, não é bem vinda.

Morrer... quando este mundo é um paraíso,
E a alma um cisne de douradas plumas:
Não! o seio da amante é um lago virgem...
Quero boiar à tona das espumas.
Vem! formosa mulher — camélia pálida,
Que banharam de pranto as alvoradas,
Minh'alma é a borboleta, que espaneja
O pó das asas lúcidas, douradas ...

Mais uma vez temos o apego do poeta à vida e aos prazeres que ainda estão por vir nos braços da amada.
Mas, novamente, ele constata:

E a mesma voz repete-me terrível,
Com gargalhar sarcástico: — impossível!

Era a morte que ria dos seus sonhos de vida.

Eu sinto em mim o borbulhar do gênio,
Vejo além um futuro radiante:
Avante! — brada-me o talento n'alma
E o eco ao longe me repete — avante! —
O futuro... o futuro... no seu seio...
Entre louros e bênçãos dorme a glória!
Após — um nome do universo n’alma,
Um nome escrito no Panteon da história.

Na terceira estrofe temos o apego do poeta à glória futura, furto de seu talento e de seu ardor como literato. É mesmo triste pensar quantas obras poderiam ter sido escritas por Castro Alves se ele tivesse uma chance de prolongar seu tempo na Terra.
Mas a morte novamente lhe responde:

E a mesma voz repete funerária:
Teu Panteon — a pedra mortuária!

Morrer — é ver extinto dentre as névoas
O fanal, que nos guia na tormenta:
Condenado — escutar dobres de sino,
— Voz da morte, que a morte lhe lamenta —
Ai! morrer — é trocar astros por círios,
Leito macio por esquife imundo,
Trocar os beijos da mulher — no visco
Da larva errante no sepulcro fundo,

Na quarta estrofe, o poeta mostra mais uma vez a oposição entre as belezas da vida e a trieteza da morte, vista como o fim de tudo.
Só lhe sobraria então:

Ver tudo findo... só na lousa um nome,
Que o viandante a perpassar consome.

E eu sei que vou morrer... dentro em meu peito
Um mal terrível me devora a vida:
Triste Ahasverus, que no fim da estrada,
Só tem Por braços uma cruz erguida.
Sou o cipreste, qu'inda mesmo florido,
Sombra de morte no ramal encerra!
Vivo — que vaga sobre o chão da morte,
Morto — entre os vivos a vagar na terra.

Na quinta estrofe temos a certeza do poeta de que vai morrer, ele é o cipreste que, mesmo florido, carrega a sombra da morte.
E novamente ele escuta:

Do sepulcro escutando triste grito
Sempre, sempre bradando-me: maldito!

E eu morro, ó Deus! na aurora da existência,
Quando a sede e o desejo em nós palpita..
Levei aos lábios o dourado pomo,
Mordi no fruto podre do Asfaltita.
No triclínio da vida — novo Tântalo
O vinho do viver ante mim passa...
Sou dos convivas da legenda Hebraica,
O estilete de Deus quebra-me a taça.

Na sexta estrofe temos, novamente, a dor do poeta e a constatação de que a partida será muito cedo, antes do que deveria ser.
A agonia extrema é expressa em:

É que até minha sombra é inexorável,
Morrer! morrer! soluça-me implacável.

Adeus, pálida amante dos meus sonhos!
Adeus, vida! Adeus, glória! amor! anelos!
Escuta, minha irmã, cuidosa enxuga
Os prantos de meu pai nos teus cabelos.
Fora louco esperar! fria rajada
Sinto que do viver me extingue a lampa...
Resta-me agora por futuro — a terra,
Por glória - nada, por amor — a campa.


A última estrofe é mesmo o fim, a despedida, as recomendações para os que ficam.
O poema tem um desfecho dramático:

Adeus... arrasta-me uma voz sombria,
Já me foge a razão na noite fria! ...

Agora, me respondam, Lord Byron ficaria ou não orgulhoso?






domingo, 6 de março de 2011

Minha Prima Raquel - Daphne Du Maurier

"Há mulhres, Philip, até mesmo mulheres bondosas, que, sem terem qualquer culpa, atraem a desgraça. Transformam em tragédia tudo que tocam". A enigmática frase de Nick Kendall ao afilhado Philip, deixa claro o tom de dúvida e suspense que cerca o romance "Minha Prima Raquel", da inglesa Daphne Du Maurier.
No sul da Inglaterra, especificamente nos campos da Cornualha, vive Ambrose Ashley, um solteiro convicto, filho de uma tradicional família rica. Vivendo sozinho na propriedade com seu primo Philip, vinte anos mais novo e criado como seu filho, Ambrose tem uma vida tranquila que muda completamente devido a um problema de saúde que o faz viajar durante o inverno para terras do continente onde o clima não o desfavoreça tanto como fazia o gelado inverno inglês. Nas duas primeiras viagens nada acontece que tire Ambrose do seu casulo, mas durante a terceira viagem, na cidade de Florença, na Itália, ele conhece Raquel, uma viúva italiana de ascendência inglesa (era prima de Ambrose). Seu sobrinho Philip e seu grande amigo Nick Kendall ficam surpresos ao receberem a notícia do casamento repentino do solteirão convicto com a viúva italiana. Mais surpresos ainda eles ficam ao receberem cartas estranhas, nas quais Ambrose escreve palavras desesperadas ao primo Philip, acusando Raquel de ser "o seu tormento".
Quando Philip chega à Florença já é tarde demais. A Vila na qual Ambrose vivia está vazia, Ambrose morrera, segundo os médicos italianos a doença que lhe tirou a vida foi um tumor no cérebro que causou uma febre violenta. Raquel, sua esposa, saíra de Florença um dia após a morte do marido. Com o coração ferido pela perda do seu protetor, Philip, agora Mr. Ashley, jura vingar-se da mulher que acredita ser a acusadora dos males que levaram Ambrose à morte. A imagem da odiosa e persuasiva mulher faz com que Philip sinta grande repulsa e tenha cada vez mais certeza de que Raquel é culpada por toda a tristeza que caía sobre a casa Ashley. Esta ideia fica ainda mais forte quando o jovem conhece Rainaldi, italiano que serve como conselheiro da viúva Raquel Ashley. Philip odeia o italiano desde o primeiro momento e pensa ser afortunado se nunca mais vier a ver o senhor Rainaldi.
Ao voltar para a Inglaterra, Philip sente-se cada vez mais parecido com o primo Ambrose e não se conforma com sua morte em terras distantes. Nem mesmo as colocações do padrinho Kendall; que dizia ser muito pertinente a opinião dos médicos italianos, já que o pai de Ambrose também morrera vítima de um tumor cerebral; faz com que o coração de Philip sinta-se mais tranquilo quanto ao tipo de tratamento que Ambrose teve na Itália.
Ao receber a notícia de que a prima Raquel viria visitar a casa do falecido marido na Cornualha, Philip resolve tratá-la de uma forma grosseira, para que ela percebesse todo o mal e a mágoa que causara àquela casa.
A presença de Raquel, porém, desarma o jovem inglês, que percebe que odiara por todos aqueles dias uma mulher que não existia, já que Raquel não tinha a aparência nem o comportamento de uma mulher dissimulada, capaz de fazer mal ao marido.
Aos poucos, a convivência vai matando todas as desconfianças que preenchiam o coração de Philip Ashley e seu ódio se trasnforma em amor.
Mas por trás do doce encanto de Raquel escondia-se algum mistério e esta áurea de suspense, comum na obra de Daphne Du Maurier, nunca abandona as páginas do romance.
O próprio Philip, nas primeiras páginas da sua narração, deixa claro o mistério, afirmando que nunca terá verdadeira certeza sobre a culpa ou inocência de Raquel, fato que o atormentará mesmo que ele viva séculos.
A imagem do enforcado Tom Jenkyn, que um dia Ambrose levara o pequeno primo para ver, exemplifica muito bem a condição de incerteza na qual o jovem Philip viverá. Quando Philip pede desculpas ao falecido Tom, por ter-lhe atirado uma pedra no corpo que balançava naquela forca, o pessimismo e a infelicidade do jovem ficam muito claros, pois ele afirma que, se tivesse olhado para trás, para o homem condenado e enforcado, teria visto a sua própria sombra balouçando-se em suas correntes. Talvez isso justifique as frases que iniciam e finalizam o romance: "Nos velhos tempos, era costume enforcarem-se os homens na Encruzilhada. Hoje não é mais assim."