domingo, 20 de novembro de 2011

20 de novembro - Dia da Consciência Negra (Viver outra vez)

Para o dia de hoje, recomendo a leitura do seguinte conto:

VIVER OUTRA VEZ – Márcio Barbosa

Com o solzinho da tarde, ela entrou no apartamento. Sábado.

- A entrevista, lembra?

Olhou as roupas espalhadas, móveis empoeirados e ele desculpou-se:

- Poucos vêm aqui. Achava que minha próxima visita seria a morte.

Observou-a. Pequena, inquieta, mãozinhas curiosas nos discos e livros.

Depois, pernas cruzadas – gravador ligado – murmurou, voz rouca:

- O terreiro do bairro quer fazer um trabalho sobre memória.

Ele, aborrecido, negou depoimento. Tentava esquecer o passado - fantasma que se escondia sob a cama.

- O senhor ajudou a fundar associações, a desmascarar a ideologia da falsa democracia racial – ela insistiu.

Um dia fora professor. Mas ela não sabia que agora não era mais nada?

Que, há algum tempo, o coração vinha ameaçando parar?

- Minha filha, esqueça-se de mim.

Com o esforço de levantar-se arregalou os olhos. Ela assustou-se:

- Que foi?

- Tonturas, já passa.

Caiu, sem dizer mais nada.

Apavorada, ela procurou vizinhos. Um taxista veio. Gordo, dirigia com a barriga encostada ao volante. No pronto-socorro lotado, brigaram para serem atendidos. Um jovem médico os recebeu, perguntando:

- Seu pai? É só pressão um pouco alta. Vocês da raça negra são muito sujeitos a ter hipertensão.

Receitou maleato de enalapril e mandou-os embora.

Na volta, no táxi, ela ouviu-o, voz trêmula de velho, sussurrar

“obrigado”.

- Por fazer o senhor ficar nervoso – sorriu -, ir para o hospital?

- Por se preocupar comigo. Sabe, já estou no fim…

Ele olhou pela janela do carro. Viu crianças sem camisas jogando futebol nas ruas.

- Só não pensei – continuou – que fosse terminar viúvo, sem filhos, aqui, neste bairro, que é quase outra cidade. Quem povoou Perdizes, Bela Vista? A negrada. Minha família sempre morou lá.

- Nasci aqui – ela afirmou. – É legal. Um pouco perigoso, ultimamente. Uns amigos morrendo por causa de drogas. Dezesseis, dezessete anos. Não lhe parece que existe um plano para exterminar nosso povo?

O que o tocou, quando ela ergueu o rosto e fitou-o? Os olhos úmidos?

Quase menina, tão preocupada com sua gente. Queria dizer-lhe para não se iludir, mas a frase ficou presa dentro do peito, mesmo quando ela voltou outras vezes, depois do trabalho, para ver como estava. Um dia chegou, tirou o walk-man, passou os dedos nos móveis e exclamou:

- Tem tanto pó!

- Foi acumulando com as decepções – ele brincou.

No dia seguinte, de bermudas, coxas roliças à mostra, ela espanou, varreu. Não podia ver nada envelhecer? Pensava, com a alegria de menina, em remoçá-lo? Num domingo, chegou com discos:

- Racionais, conhece? Bom pra caramba.

Ouviu e gostou. Parecia escutar a si mesmo nos versos dos raps, rapaz crescendo revoltado nos cortiços do Bixiga. Mas o que a moça queria, enchendo o lugar com música, verificando se comia direito, arrumando as camisas no guarda-roupa?

- Vê-lo recuperar-se – ela dizia. – Já está mais moço.

Acreditava no poder de cura de mãos movidas por carinho. Deu-lhe as suas e levou-o a bares onde pagodeiros punham a alma para percutir os instrumentos. Dançou com ele, sob olhares curiosos, diferentes daqueles que os vizinhos lhes dirigiam, quando passavam nas ruas, mãos entrelaçadas.

Ouvia-os dizer: Podia ser sua filha, que sem-vergonha.

Ela nem ligava. O velho mais desiludido tornava-se o mais animado.

O homem que ajudara seu povo a se organizar despertava, às vezes, no trovão da gargalhada.

Mas, num sábado, tristezas de outrora emergiram no poço dos olhos. Ao vislumbrá-las, fez de tudo para levá-lo à praia. Pularam sete ondas, despachando as coisas ruins que pesavam nos ombros. Gotas de água em seus cabelos eram minúsculos sóis. Deitadinhos na areia, contou a ele sobre o pai, disse que jamais o conhecera. Os olhos marejaram, uma sombra passou por seu rosto. Então, mudou de assunto e puxou-o para brincar na água.

Voltaram da viagem à noite. Entraram no pequeno apartamento rindo de tudo, de nada. Dono ainda de olhos tristes, mas animado. Bateu-lhe no peito sem feri-lo. Acariciou sua carapinha. Depois, olhou-o durante um bom tempo e beijou sua boca sorridente. Idade pra ser o pai?

- Sou virgem – ela murmurou. – Não posso engravidar.

As roupas ficaram sobre o tapete, espalhadas.

De mãos dadas na padaria, no mercado, ouviam os vizinhos:

É a sobrinha?- uns perguntavam.

Amante. – outros diziam, baixinho.

Ele ia receber a aposentadoria e ficava no ponto de ônibus meia hora.

Enquanto outros reclamavam, permanecia impassível, dono de um segredo.

É a concubina. – Parecia escutar alguém sussurrando.

Sentia-se leve, até ser acometido por uma dorzinha besta no peito.

No centro da sala, o homem sentado no sofá é uma pálida lembrança daquele que, outrora, acreditara na sua gente. Que fantasmas o acompanhariam ao cemitério? Ela assustou-se, ao vê-lo com as mãos sobre o peito.

- Coração?

- Um coração enfraquecido pelas desilusões.

Por que não falava desses fantasmas?

- Não confia em mim? Quer dizer que eu não sou nada?

- O gravador – ele pediu, imediatamente após ouvi-la falar.

Esperou-a tirar o sony da bolsa e continuou:

- No início do século, previa-se o desaparecimento da nossa, não digo raça, que só existe a raça humana. E melhor etnia. As elites brasileiras queriam um país sem negros e mulatos. Quando soube dessas idéias, a luz da revolta me iluminou. Uns amigos falaram-me sobre Zumbi, sobre os quilombos, sobre união. Acreditei que a união fosse possível. Mas o sonho se desfez tão rápido! Os amigos se cansaram. O nosso povo? Desinteressado, apático. Não sei – enxugou uma lágrima – como não desapareceu.

- O que vocês fizeram foi bonito.

- São coisas que eu preciso esquecer.

- Hoje os problemas são os mesmos. Mas há pessoas jovens, querendo aprender, como eu. Quero acreditar em algo. Nosso povo sobreviveu porque acreditou na vida.

- É verdade. Parece que nós temos de adquirir uma força tão grande, parece que um amor pela vida se enraíza tão fundo dentro da gente, que nada nos abala com facilidade. E se a gente cai, é pra levantar mais forte; se apanhamos, voltamos a brigar com mais garra; se choramos, também aprendemos a extrair, lá de dentro, uma gargalhada tão gostosa, que é como se toda a alegria do mundo coubesse em nosso peito. Somos negros e temos essa força. Isso é maravilhoso.

Ela abraçou-o, beijou-o. Só então ele se deu conta de que falara com entusiasmo. Uma parte do sonho ainda vivia. Mas as dores no peito persistiram. Ela vinha mais vezes, preparava arroz integral, moderou no sal e tirou o açúcar branco.

- A pinga com carqueja eu não jogo fora – ele protestou. Era para diabetes, um amigo tinha ensinado.

Ficava irritado com os excessos de cuidados. No fundo, sentia falta quando ela não vinha. A menina de uma geração tão diferente, com quem reaprendia a viver. A moça que acreditava nas coisas em que ele acreditara.

Num domingo, sentindo o relógio no peito se acelerar, disse-lhe:

- Não vou durar muito. Só lamento não ter tido filhos.

Notou que ela ficou calada, pensativa. Escondia algo?

Veio na segunda-feira. Preocupada, tensa. Acusou-o de cerceá-la. Tensão pré-menstrual? Que havia?

- Estou grávida – disse, por fim. – Não posso. Tenho estudos.Também não quero um filho pra crescer como eu, sem pai.

Foi até a janela. Suas lágrimas rolavam como a chuva lá fora.

- Um filho? – ele perguntou, incrédulo. – A soma do meu e do teu sonho. Olhe – pegou-lhe a mão e pôs sobre seu próprio peito – parou de doer. Podemos criar esse filho, se você quiser. – Então abraçou-a e, com a voz embargada, soluçando, falou: – Te amo.

Quando eles passavam, grávidos, ouviam os vizinhos comentarem:

É o filho – uns diziam.

O neto – outros apostavam.

- É o amor nos recriando – diziam um ao outro.


Acho muito interessante a forma como os personagens vão descobrindo os sentimento e voltando mesmo a viver. A jovem que cresceu sem pai numa comunidade pobre, o idoso que viu seus sonhos de liberdade e igualdade não se concretizarem, que se sente melancólico ao ver que muitos não se importam com a questão racial e que, por isso, muitas histórias tristes continuam se repetindo. Neste conto o protagonista, através dos comentários realistas (ou pessimistas), exprime sua dor pela desigualdade:

"(...) No início do século, previa-se o desaparecimento da nossa, não digo raça, que só existe a raça humana. E melhor etnia. As elites brasileiras queriam um país sem negros e mulatos. Quando soube dessas idéias, a luz da revolta me iluminou. Uns amigos falaram-me sobre Zumbi, sobre os quilombos, sobre união. Acreditei que a união fosse possível. Mas o sonho se desfez tão rápido! Os amigos se cansaram. O nosso povo? Desinteressado, apático. Não sei – enxugou uma lágrima – como não desapareceu.(...)"

Até mesmo o espírito ardente da juventude do qual a moça é imbuída não a livra de pensamento desanimadores:

"(...)- Nasci aqui – ela afirmou. – É legal. Um pouco perigoso, ultimamente. Uns amigos morrendo por causa de drogas. Dezesseis, dezessete anos. Não lhe parece que existe um plano para exterminar nosso povo?(...)"

O Rap também aparece no conto como a Arte que populariza as histórias, muitas vezes tão semelhantes, fazendo com que os mais velhos se identifiquem nas letras atuais. É o passado e o presente que se assemelham:

No dia seguinte, de bermudas, coxas roliças à mostra, ela espanou, varreu. Não podia ver nada envelhecer? Pensava, com a alegria de menina, em remoçá-lo? Num domingo, chegou com discos:

- Racionais, conhece? Bom pra caramba.

"(...)Ouviu e gostou. Parecia escutar a si mesmo nos versos dos raps, rapaz crescendo revoltado nos cortiços do Bixiga. Mas o que a moça queria, enchendo o lugar com música, verificando se comia direito, arrumando as camisas no guarda-roupa?(...)"

Com o passar do tempo, o idoso começa a demonstrar que seus sonhos podem não estar mortos:

- Hoje os problemas são os mesmos. Mas há pessoas jovens, querendo aprender, como eu. Quero acreditar em algo. Nosso povo sobreviveu porque acreditou na vida.

"(...)- É verdade. Parece que nós temos de adquirir uma força tão grande, parece que um amor pela vida se enraíza tão fundo dentro da gente, que nada nos abala com facilidade. E se a gente cai, é pra levantar mais forte; se apanhamos, voltamos a brigar com mais garra; se choramos, também aprendemos a extrair, lá de dentro, uma gargalhada tão gostosa, que é como se toda a alegria do mundo coubesse em nosso peito. Somos negros e temos essa força. Isso é maravilhoso.Ela abraçou-o, beijou-o. Só então ele se deu conta de que falara com entusiasmo. Uma parte do sonho ainda vivia.(...)"

Por fim, aparece a esperança comum a todos: uma criança a caminha, os sonhos restaurados, tudo iria se iniciar novamente, a vida começa seu ciclo. Aquele filho era fruto do amor e dos sonhos daquelas duas pessoas. Não era apenas fisicamente que o idoso voltava a viver, eram seus sonhos que renasciam depois de tanto tempo de desilusões:

"(...)- Um filho? – ele perguntou, incrédulo. – A soma do meu e do teu sonho. Olhe – pegou-lhe a mão e pôs sobre seu próprio peito – parou de doer. Podemos criar esse filho, se você quiser. – Então abraçou-a e, com a voz embargada, soluçando, falou: – Te amo.Quando eles passavam, grávidos, ouviam os vizinhos comentarem: É o filho – uns diziam.O neto – outros apostavam.- É o amor nos recriando – diziam um ao outro.(...)"



quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Dia de Finados

Dia 02 de novembro é o dia dos mortos, ou dia de finados, como queiram. Neste dia é comum todos refletirem sobre a morte. Pensando nisso resolvi fazer um post sobre a morte na literatura.
No conto alegórico "A máscara vermelha da morte" do norte-americano Edgar Allan Poe, temos em princípio uma epidemia que causa muitas mortes num país governado por uma monarquia nada preocupada com o povo. A soberba da família real tenta ser mais forte que as forças da morte e, por isso, resolve isolar toda a nobreza no grande castelo, longe da água e de todos as outras circunstâncias que poderiam ser causa da mortal epidemia.
A morte, no entanto, não aceita tal ousadia e, tomando forma quase humana, consegue entrar no castelo e levar consigo todos os reis, duques...embora tenha a função primordial de vilã, a Morte surge aqui como uma justiceira, aquela que promove a igualdade entre todos os seres humanos, mostrando aos nobres a fragilidade deles em relação ao corpo, fragilidade esta que nada os difere dos plebeus.
Outro romance no qual a "indesejada da gentes" resolve mostrar seu valor é o romance "As intermitências da morte" do português José Saramago. A morte, cansada de ser ofendida e indesejada, resolve fazer uma pausa nos seus serviços, deixando todos os habitantes de um país com a "dom" da imortalidade. Logo surgem as agruras de uma vida sem morte: população doente sem expectativas de fim do sofrimento, asilos lotados, até mesmo uma máfia que leva pacientes terminais para além das fronteiras para que possam morrer!
Quando resolve voltar a trabalhar, ela resolve mandar um aviso prévio através de uma macabra carta roxa, na qual os que serão buscados têm a morte anunciada e podem se preparar para recebê-la. Neste período o livro muda seu tom coletivo para individual, através da história de um músico solitário que, pela primeira vez consegue driblar a morte evitando receber a carta.
Mais uma vez inconformada com tal ousadia, a "indesejada das gentes" toma forma humana, na verdade uma bela forma humana, e vem para a Terra para entregar pessoalmente a carta fúnebre. Pena que ela não conhecia muito bem sentimentos tão humanos como o amor...bom, mas esta é uma outra história.

Dia de Todos os Santos - Tomás Morus


Dia 01 de novembro é o dia de todos os santos, comemorado pela Igreja Católica. Pensando nisso, resolvi aliar este tema com Literatura e pensei no Inglês Tomás Morus. Sim, ele é um santo da Igreja Católica, mas também é um grande escritor da língua inglesa, sendo responsável por uma das obras mais apreciadas pela crítica: "Utopia".
Thomas Morus, forma alatinada por que é literariamente conhecido Thomas Moore, Grande Chanceler da Inglaterra, nasceu em Londres em 1478 e foi aí decapitado em 1535. Filho de um dos juízes do banco dos reis, foi aos quinze anos colocado como pagem do Cardeal Morton, Arcebispo de Cantuária. Em 1497 foi terminar seus estudos em Oxford, onde conheceu Erasmo. Fez durante três anos o curso de Legislação, ao mesmo tempo que se preparava para exercer a advocacia.
Pouco depois da ascensão de Henrique VII, foi referendário e membro do Conselho Privado (1514). Acompanhou o rei da Inglaterra ao campo de Drap d’or em 1520. Após a queda do cardeal Wolsey foi nomeado Grande Chanceler (1529).
Quando Henrique VIII abjurou o catolicismo, Morus, então ligado à Igreja Romana, pediu demissão do cargo (1532), descontentando com esse gesto o Rei. No ano seguinte ofendeu mortalmente Ana Bolena, recusando-se a assistir à sua coroação e a prestar fidelidade a seus descendentes. Foi condenado à prisão perpétua e ao confisco de todos os seus bens. Pouco tempo depois foi condenado à morte por crime de alta traição e decapitado em Londres em 1535.
A “Utopia”, sua obra mais divulgada, e que lhe deu renome universal, foi editada em Basileia (Suíça) por Erasmo a quem Morus estava ligado por fortes laços de amizade e a quem revelava, em sua correspondência particular, a repugnância que sentia pela vida parasitária e faustosa da corte: “Não podes avaliar”, escrevia-lhe, “com que aversão me encontro envolvido nesses negócios de príncipes; não há nada mais odioso que esta embaixada”... Referia-se à embaixada diplomática enviada pelo Rei da Inglaterra a Flandres afim de resolver um dissídio surgido entre este pais e o príncipe Carlos de Castela.
A “Utopia” representa a primeira crítica fundamentada do regime burguês e encerra uma análise profunda das particularidades inerentes ao feudalismo em decadência. A forma é muito simples; é uma conversação íntima durante a qual Morus aborda ex-abrupto as questões mais novas e mais difíceis. Sua palavra, às vezes satírica e jovial, outras, de uma sensibilidade comovedora, é sempre cheia de força.
A primeira parte é o espelho fiel das injustiças e misérias da sociedade feudal; é, em particular, o martirológio do povo inglês sob o reinado de Henrique VII. Entretanto, o povo inglês não era vítima unicamente da avareza do rei; outras causas de opressão e sofrimento o atormentavam. A nobreza e o clero possuíam a maior parte do solo e das riquezas públicas; estes bens permaneciam estéreis para a grande massa de trabalhadores. Além disso, nessa época, os grandes senhores mantinham uma multidão de vassalos, seja por amor ao fausto, seja para assegurar a impunidade de seus crimes ou ainda para utilizá-los como instrumentos de violência contra os vilões. Esta vassalagem era o terror do camponês e do trabalhador.
De outro lado, o comércio e a indústria da Inglaterra não tinham muita expansão antes das descobertas de Vasco da Gama e Colombo. E assim, as gerações se sucediam sem finalidade, sem trabalho e sem pão. A agricultura estava em ruínas desde que a nascente indústria da lã, prometendo lucros espantosos, fez com que terras imensas fossem transformadas em pastagens para carneiros. Em conseqüência disto uma multidão de camponeses viu-se reduzida à miséria, trazendo uma multiplicação de mendicidade, vagabundagem, roubos e assassínios. Por sua vez a lei inglesa era de uma severidade inaudita, punindo com a morte, indistintamente, o ladrão, o vagabundo e o assassino.
Com semelhante panorama social diante dos olhos, compreende-se a dureza e amargura das críticas de Morus contra uma sociedade tão profundamente desorganizada e injusta.
Thomas Morus, depois de ter na “Utopia” feito uma sátira a todas as instituições da época, edifica uma sociedade imaginária, ideal, sem propriedade privada, com absoluta comunidade de bens e do solo, sem antagonismos entre a cidade e o campo, sem trabalho assalariado, sem gastos supérfluos e luxos excessivos, com o Estado como órgão administrador da produção, etc.
Embora o caráter essencialmente imaginário e quimérico da “Utopia”, a obra de Morus fica na história do socialismo como a primeira tentativa teórica da edificação de uma sociedade baseada na comunidade dos bens. E o seu nome ficou para sempre incorporado ao vocabulário universal como o significado do todo sonho generoso de renovação social...
Quatro séculos depois da sua morte, em 1935, Tomás Morus foi canonizado pela Igreja católica.