quinta-feira, 30 de julho de 2009

"...E o vento levou" - Margaret Mitchell Marsh


No inicio dos anos 30, a jornalista da Geórgia Margaret Mitchell Marsh sofreu um atropelamento e teve que ficar semanas de cama. Procurando uma forma de passar o tempo, seu marido lhe sugeriu escrever um romance histórico, já que ela conhecia muito bem seu estado natal e as consequencias da Guerra Civil nele.
Ela escreveu então, "...E o vento levou", romance que tem como pano de fundo a Guerra Civil ou Guerra de Secessão que aconteceu nos Estados Unidos na década de 60 do século XIX. A Guerra declarava a separação entre o Sul escravocrata e o Norte abolicionista. A vitória nortista colocou fim ao regime de escravidão ainda existente no Sul.
A cidade de Atlanta e Scarlett O'hara são alguns dos mitos criados por Margaret em seu antológico livro.
A jovem Scarlett é uma típica filha do Sul, não se importa com inteligência mas sim, com sua beleza e nas suas conquistas. vive na fazenda da família, chamada Tara localizada na Geórgia. Desde cedo, Scarlett descobre uma descontrolada paixão por Asheley Hamilton, mas a família Hamilton só permite casamento entre membros do mesmo sangue e Asheley está noivo da sua prima, a doce Melanie.
Quando a Guerra é declarada Scarlett e Asheley e Melanie se casam, Scarlett conhece o sedutor Reth Buttler, um homem de família própera, mas que foi renegado por um escândalo com uma jovem local. Ela não simpatiza muito com Reth já que ele tem um jeito arrogante e é testemunha de uma conversa dela com Asheley, na qual ele diz que não há chances entre os dois.
Scarlett, por vingança, casa-se com o irmão de Melanie, o jovem Charles Hamilton, que logo vai a Guerra e acaba falecendo, deixando Scarlett com um filho nos braços.
Scarlett e Melanie vão até Atlanta ficar um tempo com uma tia solteirona e lá, presenciam os terrores da guerra. A fuga de Scarlett carregando consigo Melanie e seu filho Beau recém-nascido é dramática, rendendo o primeiro beijo entre ela e Reth.
Ao chegar em Tara, ela logo percebe que sua vida mudara para sempre. A mãe morrera de uma doença contagiosa, os Yankees haviam destruído Tara e seu pai enlouquecera, sua irmãs estavam doentes e os escravos assustados sem saber o que fazer. Scarlett passa fome e faz um juramento: nem que tivesse que matar ou roubar, nunca mais passaria fome.
A luta de Scarlett para reeguer Tara, seu ódio por Melanie e sua paixão por Asheley permeiam o romance...enquanto Scarlett vive em guerra com Reth, casa-se com o noivo de sua irmã Suéllen para tentar salvar a fazenda. Ela tem uma filha do segundo marido, a pequena Ella Lorena. Mais uma vez viúva, Scarlett rompe todos os preceitos da sociedade ao casar-se com Reth poucos meses depois da morte do marido. Juntos, eles têm uma filha chamada Bonnie, que é a alegria da casa, apesar de muito mimada pelo pai.
Reth vive atormentado pelo ciúme de Scarlett com Asheley, pois entende que a esposa ainda nutre sentimentos pelo marido de Melanie. Uma tragédia acontece na vida do casal, a filha morre após uma queda de um cavalo, Reth quase enlouquece e não vê mais razão para continuar com aquele casamento. Neste período, Melanie morre grávida do seu segundo filho, deixando à Scarlett a missão de cuidar de Asheley e Beau. Quando nota as lágrimas nos olhos de Asheley pela morte da esposa, Scarlett tem as ideias claras em sua mente...ela nunca amara relamente Asheley, ele fora apenas uma ilusão. Mas já é tarde demais, Reth vai embora abandonando-a e ela decide voltar com os dois filhos para Tara, pois lá ela encontraria forças para trazê-lo de volta.
Scarlett O'hara é uma anti-heroína, uma mulher a frente do seu tempo, que mesmo assim, confunde seus sentimentos. Mimada, ela acredita que seu arrependimento traria Reth de volta, mas ele não acreditava no amor da esposa e sem Bonnie em suas vidas, nada seria igual.
O livro tem uma grande importância histórica, já que narra as consequencias da guerra que pôs fim ao império sulista de orgulho e tradição.O romance rendeu em 1939 um dos maiores filmes da história do cinema, um clássico homônimo ganhador de 10 Oscars, que transformou seus protagonistas Vivien Leigh e Clark Gable em estrelas que ficarão para sempre na memória dos cinéfilos do mundo inteiro.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Poesia Barroca: Cultismo e Conceptismo

Um exemplo de poesia cultista:

Ao braço do Menino Jesus de Nossa Senhora das maravilhas, A quem infiéis despedaçaram.

O todo sem a parte não é todo;
A parte sem o todo não é parte;
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo o todo.

Em todo o sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda a parte,
Em qualquer parte sempre fica o todo.

O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.

Não se sabendo parte deste todo,
Um braço que lhe acharam, sendo parte,
Nos diz as partes todas deste todo.



Este poema de Gregório de Matos apresenta a forma de soneto (clássico) e através de um jogo de palavras utilizando “todo” e “parte” o poeta apresenta uma imagem de Jesus despedaçada e diz que o braço é parte, mas, também todo. É uma apologia a questão de que todos os batizados são partes de um todo que é a Igreja, que por sua vez, é o corpo de Cristo.


Exemplo de poesia conceptista:

Pequei Senhor...

1)Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,

Da vossa alta clemência me despido;

Porque quanto mais tenho delinqüido,

Vos tenho a perdoar mais empenhado.

2)Se basta a vos irar tanto pecado,

A abrandar-vos sobeja* um só gemido:

Que a mesma culpa que vos há ofendido,

Vos tem para o perdão lisonjeado.

3)Se uma ovelha perdida e já cobrada

Glória tal e prazer tão repentino

Vos deu, como afirmais na sacra história,

4)Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,

Cobrai-a; e não queirais, pastor divino,

Perder na vossa ovelha a vossa glória.

Este poema é de cunho religioso, mas, apresenta a sátira também. O poeta, através de um jogo de idéias, argumenta com Deus, fazendo com que Deus acredite que o seu pecado e resgate trarão mais glória ao criador, pois, Deus sem o pecador não é glorificado. É interessante notar uma prova do dualismo medieval, já que o poeta sabe que pecou e precisa do perdão para ganhar o céu, mas, ele não se arrepende e sabe também que vai continuar pecando e vai ter que pedir perdão outras muitas vezes e desta forma, continuará “glorificando” a Deus. A argumentação do pecador faz com que ele procure provas concretas da infinita misericórdia de Deus. Ele vai buscar nas próprias escrituras, as palavras do Cristo (Evangelho de São Lucas 15, 1-10). Desta forma, ele já fez a sua parte, só resta a Deus perdoá-lo.


Barroco


Barroco é um termo genérico que denomina todas as manifestações artísticas dos anos 1600 e início de 1700. Além da Literatura, estende-se à música, pintura, escultura e arquitetura do período. Mesmo se considerarmos o barroco o primeiro estilo literário brasileiro e Gregório de Matos nosso primeiro poeta de fato, ainda não se pode isolar a colônia (Brasil) da metrópole ( Portugal). Os dois principais autores do Barroco brasileiro, Padre Antônio Vieira e Gregório de Matos, tinham suas vidas divididas entre Brasil e Portugal. A origem da palavra Barroco é controvertida. Segundo alguns etimologistas, ela designaria uma espécie de pérola de forma irregular, ou mesmo um terreno desigual. O Barroco também é chamado de Seiscentismo ( estética dominante dos anos 1600, século XVII). No Brasil, esta estética tem início em 1601 com Bento Teixeira e o poema épico Prosopopéia. Seu marco final acontece em 1768 com a fundação da Arcádia Ultramarina e a publicação do livro Obras de Cláudio Manuel da Costa.


Momento histórico

O Barroco teve grande destaque na Espanha, talvez por isto, não conseguiu o mesmo êxito em Portugal, já que neste período o país perdera a autonomia e sofria a dominação espanhola. Os portugueses criaram certa aversão à cultura do dominador. Na esperança de transformar novamente Portugal num grande império faz com que Dom Sebastião se aventure em Alcácer - Quibir na África, onde desaparece e cria o mito do Sebastianismo, uma crença de que Dom Sebastião iria voltar e transformar Portugal no Quinto império. Um grande sebastianista no Brasil foi o Padre Antônio Vieira. A Restauração só aconteceria no ano de 1640. A Companhia de Jesus praticamente monopolizava o ensino nas colônias e enquanto a Europa vivia uma efervescência no campo da ciência, a Península Ibérica permanecia um reduto da cultura medieval. No Brasil, o Nordeste sofre as Invasões holandesas e o apogeu e decadência da cana-de-açúcar.


Características do Barroco

O Barroco com seu estilo nasceram da crise dos valores Renascentistas. O homem seiscentista vivia em desequilibro e tentava evadir-se por meio do culto exagerado da forma sobrecarregando a poesia de figuras de linguagem, como a metáfora, antítese, hipérbole e alegoria. O rebuscamento na arte barroca é reflexo do conflito que o homem vivia nesta época (Antropocentrismo renascentista X Teocentrismo medieval). Este é um dilema que atormenta os homens deste período, pois, embora quisessem alcançar a glória dos céus era difícil resistir aos prazeres do mundo. No Barroco literário destinguem-se dois estilos: O Cultismo, que é um jogo de palavras caracterizado pela linguagem rebuscada, culta, extravagante. E o Conceptismo, que é marcado pelo jogo de idéias, de conceitos, racionalismo e utiliza uma retórica aprimorada.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Em algum lugar do passado ( Somewhere in time )


O filme de Jeannot Szwarc lançado no ano de 1980 conta com as magníficas atuações de Christopher Reeve, que ficou popularmente conhecido por sua atuação em filmes do "Supermen" , e Jane Seymour, além de contar com Christopher Plummer como coadjuvante. O drama tem seu início no ano de 1972, na noite de estréia da primeira peça de teatro do escritor Richard Coller (Christopher Reeve) ele depara-se com uma senhora de idade avançada que dirige-se e ele e suplica "Volte para mim!". Oito anos se passam e Richard continua intriado com a misteriosa mulher, ele decide então, pesquisar sobre sua vida. Richard descobre que no passado ela fora uma atriz teatral de sucesso e chamava-se Elise McKenna (Jane Seymour).
Cada dia mais obsecado por Elise, ele vai procurá-la, mas descobre que ela morreu na noite em que o encontrou. Ele resolve voltar ao passado através da hipnose e reencontra Elise. Logo os dois se apaixonam, o que desagrada o agente de Elise, o velho William Fawcett Robinson (Christopher Plummer).
Elise reluta a entregar-se a um amor, pois sabe as dificuldades que isso pode trazer a sua carreira e a sua vida, mas a paixão fala mais alto e os dois se entregam numa linda noite de amor.
Quando tudo parece perfeito, Richard percebe que cometeu um grande erro: ao voltar para o passado não poderia ter contato com nenhum objeto do presente, mas dentro de seu casaco alugado numa loja de antiguidades ele encontra uma moeda atual, provavelmente esquecida pelo seu antecessor no uso do casaco.
Transportado de volta para o presente, Richard se desespera ao ficar sem seu grande amor, o que o faz ficar três dias trancado no quarto do hotel sem comer e em estado vegetativo. Quando ele é encontrado, já é tarde demais, pois sua vida teve fim.
O desfecho do filme é comovente. Richard encontra sua amada Elise após a morte e os dois poderão enfim, viver este amor atemporal que nada foi capaz de destruir.
Um filme sobre amor, mas não qualquer amor, um amor intenso, que nem as barreiras do tempo consegue apagar.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Rachel de Queiroz



Rachel de Queiroz nasceu em Fortaleza, Ceará, em 17 de novembro de 1910. Sua infância foi vivida parte na capital cearense, parte na fazenda da família, no interior do estado, com rápidas passagens por Belém do Pará e Rio de Janeiro - esta instabilidade deveu-se a seca de 1915, que atingiu a propriedade da família.
Em 1927, já formada no curso normal, iniciou sua colaboração em jornais, escrevendo crônicas. Estreou em livro no ano de 1930, publicando o romance "O Quinze"; nos anos seguintes, militou no Partido Comunista Brasileiro, tendo sido presa em 1937 por suas idéias esquerdistas. . De 1940 em diante dedicou-se à crônica jornalística e ao teatro. Em 1977 quebrou uma velha tradição: tornou-se a primeira mulher a pertencer à Academia Brasileira de Letras.
A obra de Rachel de Queiroz é marcada pela caráter fortemente regionalista dos romances modernistas: o Ceará, sua gente, sua terra, as secas são referências constantes em seus romances, escritos numa linguagem fluente e de diálogos fáceis, o que resulta em uma narrativa dinâmica. Em seus primeiros romances "O Quinze" e "João Miguel" os aspectos social e pssicológico coexistem, embora o primeiro superponha-se ao segundo.
Em "Caminho das Pedras" atinge o ponto máximo da Literatura engajada e esquerdizante: é seu romance mais social, mais político; foi publicado em 1937, no início do Estado Novo de Getúlio Vargas. A partir de então, em decorrência da situação adversa, a romancista abandona pouca a pouco o aspecto social, passando a valorizar a análise psicológica, diretriz que pode ser percebida no romance "As três Marias".
Faleceu, dormindo em sua rede, no dia 04 de novembro de 2003.


A obra de Rachel é muito vasta e conta com:


- Romances:


- O quinze (1930)- João Miguel (1932)- Caminho de pedras (1937)- As três Marias (1939)- Dôra, Doralina (1975)- O galo de ouro (1985) - folhetim na revista " O Cruzeiro", (1950)- Obra reunida (1989)- Memorial de Maria Moura (1992).



- Literatura Infanto-Juvenil:


- O menino mágico (1969)- Cafute & Pena-de-Prata (1986)- Andira (1992)- Cenas brasileiras - Para gostar de ler 17.



- Teatro:


- Lampião (1953)- A beata Maria do Egito (1958)- Teatro (1995)- O padrezinho santo (inédita)- A sereia voadora (inédita)



- Crônica:


- A donzela e a moura torta (1948);- 100 Crônicas escolhidas (1958)- O brasileiro perplexo (1964)- O caçador de tatu (1967)- As menininhas e outras crônicas (1976)- O jogador de sinuca e mais historinhas (1980)- Mapinguari (1964)- As terras ásperas (1993)- O homem e o tempo (74 crônicas escolhidas}- A longa vida que já vivemos- Um alpendre, uma rede, um açude: 100 crônicas escolhidas- Cenas brasileiras- Xerimbabo (ilustrações de Graça Lima)- Falso mar, falso mundo - 89 crônicas escolhidas (2002)



- Antologias:


- Três romances (1948)- Quatro romances (1960) (O Quinze, João Miguel, Caminho de Pedras, As três Marias)- Seleta (1973) - organização de Paulo Rónai.



- Livros em parceria:


- Brandão entre o mar e o amor (romance - 1942) - com José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Aníbal Machado e Jorge Amado.


- O mistério dos MMM (romance policial - 1962) - Com Viriato Corrêa, Dinah Silveira de Queiroz, Lúcio Cardoso, Herberto Sales, Jorge Amado, José Condé, Guimarães Rosa, Antônio Callado e Orígines Lessa.


- Luís e Maria (cartilha de alfabetização de adultos - 1971) - Com Marion Vilas Boas Sá Rego.


- Meu livro de Brasil (Educação Moral e Cívica - 1º. Grau, Volumes 3, 4 e 5 - 1971) - Com Nilda Bethlem.


- O nosso Ceará (com sua irmã, Maria Luiza de Queiroz Salek), relato, 1994.


- Tantos anos (com sua irmã, Maria Luiza de Queiroz Salek), auto-biografia, 1998.


- O Não Me Deixes – Suas Histórias e Sua Cozinha (com sua irmã, Maria Luiza de Queiroz Salek), 2000.



Obras traduzidas pela escritora:


- Romances:


AUSTEN, Jane. Mansfield Parlz (1942).

BALZAC, Honoré de. A mulher de trinta anos (1948).

BAUM, Vicki. Helena Wilfuer (1944).

BELLAMANN, Henry. A intrusa (1945).

BOTTONE, Phyllis. Tempestade d'alma (1943).

BRONTË, Emily. O morro dos ventos uivantes (1947).

BRUYÈRE, André. Os Robinsons da montanha (1948).

BUCK, Pearl. A promessa (1946).

BUTLER, Samuel. Destino da carne (1942).

CHRISTIE, Agatha. A mulher diabólica (1971).

CRONIN, A. J. A família Brodie (1940).

CRONIN, A. J. Anos de ternura (1947).

CRONIN, A. J. Aventuras da maleta negra (1948).

DONAL, Mario. O quarto misterioso e Congresso de bonecas (1947).

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Humilhados e ofendidos (1944).

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Recordações da casa dos mortos (1945).

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os demônios (1951).

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os irmãos Karamazov (1952) 3 v.

DU MAURIER, Daphne. O roteiro das gaivotas (1943).

FREMANTLE, Anne. Idade da fé (1970).

GALSWORTHY, John. A crônica dos Forsyte (1946) 3 v.

GASKELL, Elisabeth. Cranford (1946).

GAUTHIER, Théophile. O romance da múmia (1972).

HEIDENSTAM, Verner von. Os carolinos: crônica de Carlos XII (1963).

HILTON, James. Fúria no céu (1944).

LA CONTRIE, M. D'Agon de. Aventuras de Carlota (1947).

LOISEL, Y. A casa dos cravos brancos (1947).

LONDON, Jack. O lobo do mar (1972).

MAURIAC, François. O deserto do amor (1966).

PROUTY, Oliver. Stella Dallas (1945).

REMARQUE, Erich Maria. Náufragos (1942).

ROSAIRE, Forrest. Os dois amores de Grey Manning (1948).

ROSMER, Jean. A afilhada do imperador (1950).

SAILLY, Suzanne. A deusa da tribo (1950).

VERDAT, Germaine. A conquista da torre misteriosa (1948).

VERNE, Júlio. Miguel Strogoff (1972).

WHARTON, Edith. Eu soube amar (1940).

WILLEMS, Raphaelle. A predileta (1950).



- Biografias e memórias:


BUCK, Pearl. A exilada: retrato de uma mãe americana (1943).

CHAPLIN, Charles. Minha vida (caps. 1 a 7 (1965).

DUMAS, Alexandre. Memórias de Alexandre Dumas, pai (1947).

TERESA DE JESUS, Santa. Vida de Santa Teresa de Jesus (1946).

STONE, Irwin. Mulher imortal (biografia de Jessie Benton Fremont (1947).

TOLSTÓI, Leon. Memórias (1944).



- Teatro:


CRONIN, A. J. Os deuses riem (1952).

sábado, 11 de julho de 2009

Olhai os lírios do campo – Érico Veríssimo


Este seja, talvez, o romance mais popular de Érico Veríssimo, pelo menos foi aquele que o popularizou como grande romancista nos anos 30, colocando-o no patamar de Jorge Amado naquela época. Érico Veríssimo não simpatizava muito com seu protagonista Eugênio, achava que ele não acrescentava nada demais ao seu romance, mas, apesar disso, o trouxe de volta no romance “Saga” que finalizaria o chamado “Ciclo de Clarissa”, iniciado pelo autor com o romance “Clarissa”.O romance é cercado por flash backs, já na primeira página o médico Eug~enio está angustiado num carro dirigindo-se ao hospital, já que Olívia, a mãe de sua filha, está a beira da morte. Durante o trajeto, ele relembra a infância difícil, as humilhações de ser um pobre tentando adentrar no meio dos ricos, sempre em escolas particulares que seu pai sofria para pagar e depois no curso de medicina. Alguns episódios da vida de Eugênio fazem com que o leitor se decepcione e dão a ele ares de anti-herói. Um exemplo é o dia em que Eugênio andava pelas ruas de Porto Alegre com seus amigos ricos e encontrou seu pai no caminho. O velho, orgulhoso do filho estudante de medicina, tira o chapéu e o cumprimenta, mas o jovem envergonhado, finge que não o conhece. A angústia de Eugênio era maior pelo fato do pai não se importar com as humilhações e trata-lo bem, fazendo o possível para que ele se sentisse confortável. Ao entrar para a faculdade, Eugênio conhece Olívia, jovem que assim como ele, sofre por estar num lugar ao qual não pertence, já que era a única mulher em meio a uma turma inteira de homens que se formariam médicos. Olívia exemplifica muito bem as mulheres da obra de Érico Veríssimo, todas fortes, que levam os seus homens, geralmente abalados por dúvidas e medos. Olívia faz discursos a Eugênio em defesa do mundo e da humanidade, suas cartas trazem para o romance um cunho religioso, talvez por isso ele seja tão popular. Com Olívia, Eugênio conhece a amizade e os primeiros prazeres da vida, embora não se entregue a nenhum compromisso. Formado em medicina, o jovem não sabe o que fazer e se entristece ao constatar que seu futuro seria continuar entre os pobres, sendo médico deles. Esta situação muda quando ele conhece a jovem rica Eunice. Ela propõe casamento a ele e um emprego na empresa de seu pai e Eugênio não vê outra alternativa senão deixar Olívia e casar-se com Eunice. Desde o início, Eugênio sabia que não significava muito para Eunice. Para ele, o casamento dos dois foi apenas um gesto de “caridade” da moça rica, como se ela adotasse uma criança pobre e a expusesse a fotos e a sociedade. Durante o romance, a idéia de dinheiro se contrapondo com felicidade é bem clara e ganha intensidade com o personagem Felipe, um arquiteto famoso e bem sucedido que nunca está satisfeito com o que tem e pretende construir o maior megatério da cidade de Porto Alegre. Quanto mais ele se dedica à construção do megatério, mas ele abandona a família e principalmente a filha Dora. Ainda casado com Eunice, Eugênio reencontra Olívia doente e com uma filha sua, a pequena Anamaria. Com a morte de Olívia surge o maior dilema da sua vida: ficar com Eunice e abandonar a filha, ou assumir a pequena e voltar a ser o médico dos pobres? Depois de muita reflexão, ele decide separar-se da esposa e cuidar da filha. É a fase mais calma da vida do protagonista, na qual ele reflete sobre as palavras de Olívia e sente-se mais próximo do Deus que ele abandonara a tempos devido sua condição de pobreza e humilhações. O desfecho do romance é emblemático, Eugênio passeia no parque de mãos dadas com a filha, fazendo planos para o futuro e acreditando numa vida mais tranquila. Um romance simples que através dos seus personagens intensos, encanta gerações que não resistem ao amargurado Eugênio e a obstinada e encantadora Olívia. O título do romance é parte da Bíblia Sagrada, as palavras de Jesus são "Olhai os lírios do campo, eles não tecem, nem fiam, mas nem Salomão em toda a sua glória, se vestiu como um deles". Este é o clima que permeia o romance, de que não devemos preocupar-se muito com as coisas materiais, pois, elas não são o mais importante na vida.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

A moça tecelã - Marina Colasanti




O pequeno conto de Marina Colasanti condensa o que há de melhor na literatura moderna.Com um realismo fantástico, Colasanti inicia a estória da romântica moça tecelã, que através da arte de tecer, tem o direito de construir e escolher seu futuro e as pessoas que participam da sua vida.Como toda mocinha romântica, o que ela tem não é suficiente, ela deseja casar-se com um homem que a ame e a faça feliz. Num certo dia, ela resolve tecer este marido, e ele chega até ela de chapéu em punho, como nos seus sonhos. Ao deitar-se em seu peito e entregar-se a este desconhecido que é sua criação, ela espera viver o matrimônio perfeito, ter filhos, viver um para o outro, não se importando com outras coisas, mas aos poucos, seu marido vai revelando-se um homem ganancioso e começa a pedir-lhe coisas...primeiro são objetos simples, mas que nunca o satisfazem, e, quando a jovem tecelã percebe, o sonho de ter filhos, construir família, está muito longe da cabeça do seu marido, ele está mais preocupado em pedir que ela teça castelos e cavalos para mostrar sua grandeza. Assim como ele chegou, partiu da vida da moça tecelã e por escolha da própria. Percebendo que não estava entre os interesses principais do marido “tecido”, ela começa a desenrolar o novelo, e destruir sua criação e tudo que veio junto com ela, os cavalos, carros, castelos... Acima de tudo, este conto deixa claras as diferenças de interesses entre homens e mulheres, comuns a qualquer sociedade em menor ou maior grau. A mulher deseja a família, deseja pouco “materialmente” para viver, se satisfaz tendo os que ama por perto, enquanto o homem, tem a ganância que o faz deixar de lado os interesses subjetivos. Seria um erro classificar a raça humana desta forma, há exceções me toda regra, porém, a sociedade trata de construir para os homens uma verdade absoluta que eles são, inúmeras vezes, obrigados a seguir nesta selva que é a vida em grupo. Diferenças de tempo, de nacionalidade, religião, escolaridade, entre outras, criam diferenças e tornam este conceito de que o homem deve ser mais objetivo e a mulher mais subjetiva mais intenso ou não. No século XXI, em certos países da África, acontecem ainda rituais nos quais meninas na faixa etária dos dez anos têm seu clitóris mutilado, já que não podem sentir prazer, pois este é restrito ao homem. Muitas sociedades acreditam que a mulher é inferior e sempre tem que ter alguém como dono: primeiro o pai, depois um marido... há também situações inversas, nas quais muitas mulheres visam uma liberdade sem restrições e acabam se ferindo, já que o sexo sem compromisso é mais natural e não produz remorsos em pessoas objetivas. Na década de 80 muitas mulheres acreditavam que para “vencer” precisavam se tornar “homens” e abandonar idéias relacionadas ao casamento e a maternidade. São extremos abandonados por uns e as vezes mantidos por outros no decorrer no tempo. Várias são as teorias, o importante é notar que um conto leve o leitor a reflexões não apenas literárias, mas também, a análises sociológicas que podem construir a essência de um ser humano. Marina Colasanti visa em seu conto o livre arbítrio, já que a moça tecelã faz as escolhas que mudam sua vida e quando nota o sofrimento que elas trazem, apenas destrói com suas próprias mãos aquilo que criou. A vida, porém, não é um ensaio, quantas não têm o direito de fazer esta escolha?

Perfil dos personagens do romance "O Morro dos Ventos Uivantes" de Emily Brontë



  • Catherine Earnshaw, Catherine Linton, Catherine Heathcliff.

A personagem criada por Emily Bronte em sua única obra, “O Morro dos Ventos Uivantes”, nos é apresentada logo no início do romance pelo narrador personagem, Sr. Lockwood, quando numa visita ao locatário(Heathcliff) da fazenda a qual passaria algum tempo, se viu foi forçado a passa a noite no Morro dos Ventos Uivantes devido a intempestividade daquela região. Contra a vontade de Heathcliff, Lockwood é levado para um quarto onde passaria a noite. No quarto ele encontra alguns livros que também serviram como diário para Catherine, e neles ele encontrou escrito os seguintes nomes: Catherine Earnshaw, Catherine Linton, Catherine Heathcliff. A partir desde ponto já podemos começar a conhecer as diferentes facetas da mesma personagem. E podemos analisar cada uma de suas facetas de acordo com cada nome. Começaremos com Catherine Earnshaw, que é o nome de família de Catherine. O nome que continha toda a tradição de sua família, e ela teria que zelar para que não fosse manchado por nenhum escândalo ou atitude equivocada que ela pudesse tomar e que a sociedade da época não viria com bons olhos. É ela que cresce junto com Heathcliff e que presenciava todo o sofrimento dele diante das maldades de seu irmão Hindley. Até o momento em que o Sr. Earnshaw volta de Liverpool com o pequeno Heathcliff, Cathy é descrita como uma pessoa normal. A partir do momento em que os olhares de Catherine e Heathcliff se cruzam ela se encanta com o menino, não se importando com sua aparência suja e escurecida. “Sra. Cathy e ele estavam agora muito íntimos. Mas Hindley odiava-o”.(Bronte 1971, p.41) neste trecho do romance vemos Nelly Dean explicando a convivência dos “irmãos” ao Senhor Lockwood. Os dois crescem estabelecendo uma relação que começa como fraternal, mas que depois com o passar dos anos seus sentimentos afloram e um ciúme doentio acaba surgindo também. Já Catherine Linton é o lado fraco e mesquinho da personagem. Fraca pois não teve coragem de enfrentar tudo e todos para viver o seu amor, o que a torna uma anti-heroína pois qualquer mocinha romântica abriria mão de tudo para viver ao lado de seu amor, não se importando com o que a sociedade pensaria ou deixaria de pensar. E também podemos perceber o quanto ela era mesquinha, preferindo Edgard Linton à Heathcliff, pois Edgard poderia lhe proporcionar uma vida estável, segura. Ficando com Linton tudo seria mais fácil, mais cômodo, ela não precisaria enfrentar barreiras para ficar com ele. Na conversa que ela tem com a empregada da casa, Nely, antes do desaparecimento de Heathcliff que anos mais tarde voltaria rico, Catherine confessa a ela que gostaria que Heathcliff tivesse sido criado pelo irmão dignamente e mão como um empregado qualquer, assim ela poderia ter se casado com ele sem ferir a sua imagem perante a sociedade, e ter toda a comodidade que ela desejava. A maternidade é pouco valorizada por Catherine, ela não demonstra amor ou preocupação com o bebê. Essa atitude é notada claramente no momento em que Catherine e Heathcliff têm sua última conversa pouco antes da morte de Cathy. Em momento algum Catherine se preocupa com a falta que pode fazer para a filha. Neste momento a Catherine Heathcliff, que veremos a seguir, se impõe e a possessividade da relação de amor e ódio que os consome se torna mais visível e nada pode interpor-se entre os dois. Essa relação mãe e filha pode não ter sido abordada com grande ênfase pela autora devido ao fato dela nem ninguém de seu convívio social ter vivido esse tipo de experiência. Dados biográficos indicam que Emily perdeu sua mãe muito cedo e que ela nem suas irmãs tiveram filhos. Catherine Heathcliff. A Cathy que não se tornou realidade. É nesta faceta que ela se mostra egoísta, podemos perceber isso quando a beira da morte ela tem sua última conversa com Heathcliff, e assim como um criminoso não se arrepende por ter ceifado a vida da sua vítima, mas sim por ter atrapalhado sua vida. Mesmo quando pede perdão à Heathcliff ela não se arrepende por ter feito-o sofrer, mas sim por ela ter sofrido o tanto que ela sofreu. Catherine e Heathcliff eram como corpo e alma que se completavam, Heathcliff era a personificação da maldade existente dentro de Cathy.Mesmo depois da morte de Catherine quem pensa que ela some por completo da trama de Emily Bronte, está completamente enganado. Depois de sua morte ela é figura ainda mais presente na vida de Heathcliff, pois passa a atormentá-lo como um fantasma que clama por seu amor, e ele sem poder nada fazer, somente passando os seus dias, cego com seus planos de vingança.“Vem! Vem! – soluçava ele. – Vem, Catherine! Oh! vem - mais uma vez somente! Oh! querida do meu coração, escuta-me afinal, desta vez, Catherine!”(agonia de Heathcliff chamando pelo fantasma de Cathy na noite em que Lockwood acreditou tê-lo visto, Bronte 1971, p. 33)Por mais estranho que possa parecer para alguns dos leitores deste grande romance da literatura inglesa, e que alguns o consideram grosseiro e de mau gosto, ao contrário está é uma grande história de amor, um amor que não teve a oportunidade de amadurecer, de se tornar real, devido aos caprichos, ao egoísmo, a franqueza de sua protagonista, Catherine. E que a morte vem eternizar esse amor e ao que nos parece e que cabe a cada um de nós imaginarmos se mesmo depois da morte de Heathcliff e Catherine, se eles conseguiram viver se grande amor.


“Que há, meu homenzinho? – perguntei.- Heathcliff e uma mulher estão lá embaixo, sob a ponta do rochedo – respondeu ele, soluçando -, e eu não tenho coragem de passar na frente deles.” ( Nelly Dean conversa com um menino que acredita ter visto os fantasmas de Heathcliff e Catherine pelo Morro dos Ventos Uivantes. Bronte 1971, p. 312).




  • Heathcliff: herói ou vilão da própria história?

Emily Brönte conseguiu no romance “O Morro dos Ventos Uivantes”, uma façanha digna apenas de grandes mestres da literatura mundial. Através de uma história de amor comum, envolvendo um triângulo amoroso, Emily Brönte criou um enredo extremamente original, com personagens e situações que falam por si próprios. Um exemplo disto é o protagonista Heathcliff. Ao colocar em Heathcliff as condições de órfão, abandonado nas ruas, acolhido por um bom homem, Emily faz com que os leitores acreditem que ele será um personagem bom, que aceita o sofrimento e a humilhação impostos e vence tudo com heroísmo. No desenrolar da infância de Heathcliff, percebe-se que sua personalidade distância-se de um herói romântico e sofredor. Ainda criança, o protagonista expressa desejos de vingança e sentimentos que não são muito nobres. Começa então o dualismo do personagem. Emily Brönte não oferece aos leitores um passado para o jovem. Não se conhece nada da sua história, antes de ser recolhido pelo Sr. Earnshaw, não se sabe se seus pais eram bons, se ele sofria maus tratos, se possuía já algum trauma familiar... portanto, ficamos imunes a qualquer sentimento de compaixão por Heathcliff, mesmo quando vemos a maldade de Hindley para com ele. Mas, em várias ocasiões, Heathcliff chega a causar pena e faz os leitores odiarem aqueles que o oprimem. Mesmo em momentos nos quais exprime seu ódio e rancor, Heathcliff deixa confusos os que já o consideravam um puro vilão. No diálogo entre ele e Cathy, pouco antes da sua morte, encontramos um Heathcliff magoado, que expressa seu obsessivo amor pela irmã de criação de uma forma selvagem, mas totalmente sincera. Ele diz que amaria o seu assassino, mas, como poderia suportar ver Cathy daquela maneira? “Eu não posso viver sem a minha vida, eu não posso viver sem a minha alma”. Estas palavras deixam claro a extrema agonia e a situação na qual Heathcliff viveria dali em diante. Ele viveria uma morte em vida, seu corpo estaria na terra, mas, sua alma, seu coração, tudo o que restava da sua humanidade, foi enterrado com Cathy. O que prende Heathcliff a este mundo, é o desejo de vingança, de tomar tudo o que pertence a Edgar Linton, o marido de Cathy. O rancoroso Heathcliff vive implorando que Cathy permaneça com ele, noite após noite espera seu fantasma, mas nem isto lhe é concedido. Heathcliff se torna então, cada vez mais só e caminha rumo ao seu fim trágico do qual ele não desviou nem um segundo, desde que entrou na propriedade dos Earnshaw, com sua aparência escura e suja. Heathcliff se torna, desta forma, um personagem capaz de causar os sentimentos mais diversos nos leitores do romance. Ele pode ser visto como o causador de muito sofrimento, que não sente piedade nem mesmo do próprio filho e que joga sujo numa vingança desenfreada. Pode também ser visto como uma vítima, com a cabeça cheia de traumas... as humilhações do irmão adotivo Hindley, o abandono de Cathy, que desistiu dele por causa da situação na qual ele estava, excluído da sociedade e carregando no rosto as marcas do preconceito, já que era um cigano. Os leitores de “O morro dos ventos uivantes” correm o risco de se confundir com Heathcliff e nele colocar suas próprias convicções, seus traumas e indignações perante a sociedade. O processo de catarse expresso pela figura do protagonista é um dos mais perfeitos de toda literatura mundial. Acima de tudo, Heathcliff caminha sob dois extremos: em certos momentos, ele é uma figura que não apresenta nenhum sentimento que o possa tornar humano, fora o seu obsessivo amor por Cathy e a sua discreta afeição pela criada Nelly e pelo jovem Hareton, que ele próprio arruinou. Em outros momentos, ele é um jovem afligido por angústias e que tem de se tornar “duro como um tronco de árvore” para sobreviver a uma sociedade que o excluí e tira dele a única pessoa que ele amava a jovem Catherine. Cabe então, aos apreciadores da Literatura Inglesa agradecer, pois, coube a uma jovem camponesa, de saúde frágil e personalidade discreta, deixar ao mundo a história de um amor cheio de força e obsessão, que venceu todas as barreiras, que a sociedade negou e que só a morte tornou possível.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Pontos obscuros do romance "O Morro dos Ventos Uivantes" de Emily Brontë

O romance “O Morro dos Ventos Uivantes” se perpetua como um livro ímpar, sem igual e sem classificação. O estilo de Emily Brontë é único e não permite comparação já que escreveu apenas esta obra-prima, que lhe consagrou um lugar de honra na Literatura Mundial. O que faz o encanto permanecer? Esta é uma questão de difícil resposta, pois, cada leitor se identifica com alguma característica do livro, que é cheio de personagens complexos e com uma personalidade ambígua. Porém, é fácil acreditar que os pontos obscuros presentes no romance são responsáveis por muitos admiradores e teses acerca dele. Os pontos obscuros estão presentes já no início da narrativa. A personagem Catherine Heathcliff (filha de Catherine Earnshaw e Edgar Linton) deixa para o Senhor Lockwood, na primeira vez que se vêem no Morro dos Ventos Uivantes, uma imagem violenta e rancorosa, pouco simpática e selvagem: “- (...) Vocês todos serão modelados em cera e em argila, e o primeiro que ultrapassar os limites que eu fixar... Não direi o que lhe acontecerá, mas vocês verão. (...)”. ( Bronte 1971, p. 20.). Já Nelly Dean apresenta a moça para o Senhor Lockwood como uma jovem encantadora e diz que é difícil conhecê-la e não amá-la:
(...) “Era a criatura mais sedutora que jamais apareceu como um raio de sol para uma casa desolada.” (...) “Seu gênio era vivo, mas sem rudeza, e temperado por um coração sensível e ardente em excesso nas suas afeições.” (...) “Sua cólera não era jamais furiosa, seu amor jamais era violento, mas profundo e terno.” (Bronte 1971, p. 179.).
Duas hipóteses são válidas de apreço para esta situação. A primeira é a de que a jovem Catherine é mesmo um poço de ternura e naquele momento se sentia embrutecida, com uma necessidade de se defender perante o algoz Heathcliff. Outra hipótese é a de que Nelly Dean mantia por Catherine Heathcliff um carinho materno e isto a tornava cega perante as falhas de caráter da jovem. Outro ponto que incita a imaginação dos leitores é a origem de Heathcliff. Isto serve para que Emily deixe brechas na personalidade de Heathcliff que não permitem aos leitores nem amá-lo nem odiá-lo. Como explicar o que viveu o menino sujo encontrado pelo Senhor Earnshaw nas ruas de Liverpool, já com sete anos? Porque ele não diz nada sobre o seu passado? Sofrimento demais que não permite nem a manifestação de lembranças? Falta de memória? A sua vida sempre foi nas ruas? Questões como estas dificilmente serão respondidas, pois, Emily Brontë não deixou nenhum esclarecimento sobre seu personagem misterioso. O pequeno Heathcliff difere dos Earnshaw e isto é sentido logo na apresentação. A cor escura da pele leva-os a acreditar numa origem cigana e mais tarde, traços da personalidade também indicarão isto.“Rodeamo-lo e, por cima da cabeça da Srta. Cathy, lobriguei um menino, sujo, maltrapilho, de cabelos pretos, grande bastante para andar e falar.” (...) “quando o puseram de pé, limitou-se a olhar em redor, repetindo uma algaravia que ninguém conseguia entender”. (Bronte 1971, p. 40). Características folclóricas estão ligadas à origem cigana de Heathcliff. Quando ele, no auge da sua agonia, ao saber da morte de Catherine, lhe deseja que acorde no meio do tormento e que não descanse enquanto ele estivesse na terra, evoca uma antiga lenda de que os ciganos rogam pragas nas pessoas e que estas sempre se realizam. É um poder místico garantido a eles.
“– Que ela desperte no meio dos tormentos! – gritou ele com terrível veemência, batendo com os pés e gemendo, num súbito paroxismo de desgovernada paixão. – Será que ela mentiu até o fim?! Onde está ela? Lá não... no céu não... consumida não... onde? Oh! tu dizias que não davas importância a meus sofrimentos! E eu rezo uma oração... hei de repeti-la até que minha língua se entorpeça... Catherine Earnshaw, possas tu não encontrar sossego enquanto eu tiver vida! Dizes que te matei, persegue-me, então! A vítima persegue seus matadores, creio eu. Sei que fantasmas têm vagado pela terra. Fica sempre comigo... encarna-te em qualquer forma... torna-me louco! Só não quero que me deixes neste abismo, onde não posso te encontrar! Oh, Deus! É inexprimível! Não posso viver sem a minha vida! Não posso viver sem a minha alma!” (Bronte 1971, p. 159 e 160).
O ponto que talvez cause maior curiosidade entre os leitores, é a forma como Heathcliff enriquece depois de três anos longe do Morro dos Ventos Uivantes.
(...) “pude perceber, melhor que antes, com grande estupefação, quando ele mudara. Era agora um homem de boa compleição, de levada estatura e de formas atléticas,” (...). “Seu porte ereto dava a idéia de que já houvesse estado no exército. A expressão e a decisão de seus traços davam-lhe uma aparência de ser mais velho que Linton. Revelavam inteligência e não conservavam sinais da antiga degradação. Uma ferocidade semicivilizada ocultava-se ainda nas sobrancelhas caídas e nos olhos cheios dum negro fulgor, ferocidade que ele conseguia dominar. Suas maneiras eram até mesmo dignas, completamente desprovidas de rudeza, embora demasiado severas para serem atraentes.”(Bronte 1971, p. 95.).
Numa sociedade preconceituosa e que visava as raízes e a nobreza familiar dos indivíduos, como poderia um jovem semi-analfabeto, cigano, órfão e sem experiência no trabalho na cidade grande conseguir sobreviver e ainda guardar dinheiro! Os últimos dias de Heathcliff são ricos em momentos misteriosos; neles o clima de terror se faz presente, e em muitos momentos, ele chega a perguntar a Nelly se eles realmente estavam sozinhos na casa. Neste ponto destaca-se o misticismo presente no livro. Catherine continuaria no “Morro dos Ventos Uivantes” caminhando perto de Heathcliff todos os vintes anos desde a sua morte?
“Ele não me ouviu; no entanto, sorriu. Preferiria vê-lo rilhar os dentes a contemplá-lo sorrindo assim. - Sr. Heathcliff! Patrão! – gritei. – Pelo amor de Deus, não arregale assim esses olhos como se estivesse vendo uma visão sobrenatural. - Pelo amor de Deus, não grite tão alto – replicou ele. – Olhe bem por toda a parte e diga-me se estamos mesmo sós. - Sem dúvida estamos sozinhos.”(Brontë, 1971, p.307)
"No entanto, obedeci-lhe involuntariamente, como se não estivesse bem certa. Com um gesto, ele afastou na mesa o que estava diante de si e inclinava-se para olhar mais à vontade.
Percebi então que não era para a perde que ele olhava, porque, observando-o, notei que seus olhos pareciam exatamente dirigidos para uma coisa que se acharia a dois metros à sua frente. Qualquer que fosse essa coisa, causava-lhe, aparentemente, ao mesmo tempo uma dor e um prazer extremos. Era pelo menos a idéia que sugeria a expressão angustiada, e, no entanto, extasiada de seu rosto. O objeto imaginário não era fixo. Seus olhos o seguiam com uma atividade infatigável e, mesmo quando ele me falava, nunca se destacavam do seu alvo.”(Bronte 1971, p. 307 e 308).
Esta situação faria parte da Praga jogada por Heathcliff na hora da morte de Catherine? Ela não teria mesmo descanso enquanto ele vivesse? A morte de Heathcliff é tão misteriosa quando foi a sua própria vida.
“ O Sr. Heathcliff (...) estendido de costas. Seus olhos reencontraram os meus... tão agudos e tão ferozes que estremeci. Depois pareceu-me que ele sorria. Não podia crer que estivesse morto. Mas seu rosto e seu peito estavam encharcados pela chuva, os lençóis pingavam água e ele jazia completamente imóvel. A janela, que batia, lhe havia esfolado uma mão, que se apoiava no rebordo. O sangue não corria da ferida e, quando pus nela os dedos, não pude mais duvidar: ele estava morto e rígido! Prendi a janela. Afastei da fronte de Heathcliff seus longos cabelos negros. Tentei fechar-lhe os olhos para extinguir, se possível, antes que outrem lhe pudesse ver, aquele horrível olhar de exultação, que lhe dava a impressão de vida. Seus olhos recusaram-se a fechar-se: tinham o ar de zombar de meus esforços. Seus lábios abertos, seus dentes agudos e brancos zombavam também!” (Bronte 1971, p. 311).
Ele não se desviou da perdição e nos últimos dias de vida, assume uma postura melancólica e dualista. Chega a causar pena e horror. A própria Nelly se refere com medo ao comportamento de Heathcliff:
“_ Será ele um lobisomem ou um vampiro? – perguntava eu. Havia lido histórias a respeito desses horrendos demônios encarnados. Depois refleti que havia cuidado dele em sua infância, que fora testemunha de sua passagem à adolescência, que o havia seguido durante quase toda a sua existência e que era um absurdo ceder àqueles sentimentos de horror.” ( Bronte 1971, p. 306).
O desfecho do romance é ainda mais misterioso. Heathcliff e Catherine transformam-se em uma lenda: o amor proibido que não se concretizou em vida e só se realizou plenamente após a morte: “Que há, meu homenzinho? – perguntei. - Heathcliff e uma mulher estão lá embaixo, sob a ponta do rochedo – respondeu ele, soluçando -, e eu não tenho coragem de passar na frente deles.”( Bronte 1971 , p. 312.).
Desta forma, o romance dos meio-irmãos que foram separados pela sociedade, mas, unidos pelo amor, se consagra e permanece como um mito, com questões que nunca serão reveladas e que despertam nos leitores a catarse mais perfeita com os personagens que povoam o tempestuoso “Morro dos Ventos Uivantes”.

A SIMBOLOGIA DO ESPAÇO NO ROMANCE "O MORRO DOS VENTOS UIVANTES" DE EMILY BRONTË


O cenário onde se passa a história de amor de Catherine e Heathcliff é carregado de simbologias. Cada elemento é passível de uma interpretação. Por isso faremos uma breve análise de alguns dos mais importantes elementos. A começar pelo titulo do romance, através dele já se percebe a importância dada pela autora para o local aonde o romance vai se passar, dando assim um pressagio de que o local será grande influência nas personagens e nos acontecimentos. O local é marcado pelo clima tempestuoso e frio dos campos ingleses. Clima este que favorece uma ligação com a própria história contada no romance, cheia de personagens tempestuosos que se fundem no “O Morro dos Ventos Uivantes”.Enquanto o local vizinho, a Granja Thrushcross, representa a cultura da sofisticação, Morro dos Ventos Uivantes é o rústico a natureza não refinada, o primitivo. Sendo Heathcliff e os demais habitantes do Morro dos Ventos Uivantes, a personificação daquele lugar sombrio e intempestivo, e as mesmas refletem as características do local. Podemos até dizer que o local onde morra Heathcliff seria o inferno e ele o diabo, devido às características do local e seu comportamento extremamente ofensivo e vingativo. Quando o Sr.Lockwood está hospedado Granja Thrushcross, e vai até o Morro dos Ventos Uivantes, neste momento cria-se um contraste entre a cultura e a sofisticação e o primitivo e o rústico. Assim podemos perceber neste momento uma crítica de Emily Bronte aos padrões da era vitoriana, colocando uma figura que representava a sociedade da época em meio a aquele lugar sombrio. Podemos perceber esse contraste também quando num de seus passeios Catherine e Heathcliff chegam até a Granja Thrushcross e lá ficam a observar Edgar e Isabela Linton e Catherine acaba caindo e se machucando por isso passa algum tempo com os Linton. Na sua volta ao Morro dos Ventos Uivantes podemos perceber a influência que aquele meio de sofisticação e cultura causou em Catherine, ela volta mais educada, menos agressiva o que acaba agradando sua família.Depois de Catherine passar esse tempo junto com a família Linton a possibilidade de um casamento entre Catherine e Edgar começa a ser cogitada, mas o amor de Catherine e Heathcliff é superior pois eles são fruto da mesma natureza e assim a relação estabelecida tanto entre eles quanto ao lugar onde vivem é de amor e ódio constantemente.Heathcliff quando decide ir embora no momento em que ouve Catherine dizer a Nely que ela vai se casar com Edgar, mesmo sabendo que ela e Heathcliff formavam um só coração e as dores de um seriam também do outro. Ele se sente magoado quando Cathy diz que se casaria com ele, se Hindley não o tivesse rebaixado tanto. O jovem decide sair do Morro dos Ventos Uivantes para anos mais tarde voltar rico. nesse momento que ele se afasta do Morro dos Ventos Uivantes, o mesmo deixa de causar influência sobre Heathcliff, ao voltar percebe-se que ele volta mais educado, refinado, mais cavalheiro.O mesmo ocorre com Isabella Linton que depois de fugir e se casar com Heathcliff, retorna para que ele possa dar seqüência a sua vingança. Durante o tempo que Isabella passa a morar no Morro dos Ventos Uivantes ela deixa de ser a moça polida que era quando morava com seu irmão na Granja Thrushcross, e passa agir rusticamente como os demais moradores do local, e também se torna corajosa para enfrentar seu marido Heathcliff.Percebemos que o romance “O Morro dos Ventos Uivantes” é um romance “talhado numa oficina rude” como diria Charlotte Brontë, a mais velha das irmãs escritoras. Portanto, a própria Charlotte afirma que ele é uma obra rude e Heathcliff é uma pedra que aos poucos foi lapidada pela criatividade e intensidade de Emily Brontë.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Ponto de convergência entre os romances "Dom Casmurro", "Madame Bovary" e "Ana Karênina".

Dois romances analisados são narrados em terceira pessoa. “Dom Casmurro” foge a regra e é narrado pelo marido da protagonista. Em “Ana Karênina” temos uma mulher da mais alta sociedade russa, uma dama por volta dos trinta anos, casada com um aristocrata vinte anos mais velho e mãe de um filho de oito anos. Em “Madame Bovary” uma mulher criada num convento, acostumada a ler romances românticos e sonhar com príncipe que a tiraria daquele marasmo do campo e a levasse a frequentar as grandes festas burguesas. Em “Dom Casmurro”, uma jovem, desde a infância descrita como “dissimulada”, casa-se com um jovem frágil, inseguro e enciumado. O que estas três mulheres têm em comum? As três chocaram a sociedade ao transpor as regras e cometer adultério, mas isto lhes custou muito e foi cobrado até mesmo com a própria vida.A forma como cada autor conduz a trama, leva o leitor a ter reações diferentes sobre as três mulheres. A personalidade delas deixa isto bem claro.Ana reluta em se entregar ao amante,
- Sempre parte, realmente amanhã? – perguntou ele. - Sim, acho que sim- volveu-lhe Ana, como que surpreendida com o atrevimento da pergunta.Mas o irresistível brilho dos seus olhos e o sorriso que lhe lançou enquanto lhe dirigia a palavra abrasaram-no.Ana Arcádievna partiu sem ter querido cear. (ANA KARÊNINA p.91 1º vol.).
O amor de Ana e Vronski faz com que ela seja excluída da sociedade e todos a olhem de forma diferente. Ana se sente mal ao ser olhada por Kitty, antiga namorada de Vronski, pouco tempo antes de sua morte:
Olhava para mim como se eu fosse uma coisa horrível e curiosa! (ANA KARENINA p.299 Vol 2).
Este é o preço que ela teve que pagar por viver o seu amor de forma livre, ao contrário da condessa Vronskaia, mãe de Vronski, que viveu vários casos com o conhecimento de todos, mas nunca os assumiu abertamente. A questão então não era o adultério em si, mas o escândalo e a reprovação que ele causa a quem não é discreto ao cometê-lo.A situação de Ana faz com que ela perca o controle e tenha crises de ciúme acreditando que Vronski irá abandoná-la quando ela não for mais um capricho seu. Brigas constantes tornam a sua vida ao lado do amante muito difícil:
_ Naturalmente quisestes ficar e ficaste. Fazes tudo o que queres (...) – exclamou, cada vez mais exaltada.- Acaso alguém aqui discute os teus direitos? Queres ter razão, pois fique com ela. Vronski fechou a mão, endireitando-se, e no rosto pintou-se-lhe uma expressão ainda mais firme.- Para ti é uma questão de casmurrice, sim, de casmurrice – repetiu ela, olhando fixamente Vronski, quando encontrou um qualitativo para aquela expressão que tanto a irritava. – Para ti o que importa é saber qual de nós acabará por sair vencedor. Mas para mim... – outra vez sentiu compaixão por si própria e pouco faltou para romper a chorar. – Se soubesses o que significa para mim a tua hostilidade, sim, é essa a palavra! Se soubesses o medo que eu tenho de uma desgraça em momentos assim, o medo que tenho de mim mesma! – e Ana voltou o rosto para esconder as lágrimas.- Mas a que propósito tudo isso? – perguntou Vronski, horrorizado, ao ver o desespero de Ana. E, inclinando-se de novo para ela, beijou-lhe a mão. – Por que me falas assim? Porventura busco distrações fora de casa? Não é verdade que evito o convívio de mulheres?- Não faltava mais nada – exclamou Ana.- Dize-me o que queres que eu faça para te tranqüilizar. Estou pronto a tudo para te fazer feliz – insistiu Vronski, comovido ao vê-la tão infeliz.Não é nada! Não é nada! – replicou Ana. – Nem eu própria sei. Talvez a minha vida solitária, talvez os meus nervos...Bom, não falemos mais nisso. Conta-me das corridas. Ainda não me disseste nada – concluiu, procurando esconder a alegria da vitória que acabara por obter. (ANA KARÊNINA Vol.2 p. 250.).
Às vezes, as brigas eram resolvidas com uma noite de amor, mas as desconfianças e o medo de Ana permaneciam e ela sentia-se desprezada por todos:
Não, não te permitirei que me atormentes”, pensou. Essa ameaça nem lhe era dirigida a ele nem a ela própria, mas apenas à causa de seus sofrimentos. (ANA KARÊNINA p.306 Vol.2).
Ana cai numa rede de intrigas construída por ela própria através da hipocrisia e do preconceito que a rodeavam. Isto a leva ao suicídio e a transformar todo o seu amor em vingança.O leitor fica confuso com Ana Karênina. Ela merece ser julgada por seu adultério? Ou merece a piedade por seus últimos dias, nos quais ela definhava acreditando não ser mais digna do amor de Vronski? Seu orgulho e o desejo de vingança contra o amante fazem com que ela perca a vida, mostrando que a sociedade, apesar de condoer-se dela, jamais poderia perdoá-la por uma falta tão grave. Já Emma Bovary é descrita como uma mulher que procurava realizar-se de todas as formas e por isso, escolheu o adultério como forma de realização. Já na composição da personagem protagonista, o foco literário é voltado para as futilidades de Emma e sua paixão pela idealização da literatura da época. Emma Bovary desde jovem teve uma “queda” por romances idealizados, seja pela criação que recebeu, por futilidade ou por ser fruto de uma sociedade burguesa que consumia a literatura como se fosse pão fresco.
Emma lera Paulo e Virgínia, sonhara com a cabana de bambus, com o preto Domingos, com o cão fiel e, principalmente, com a doce amizade de algum irmãozinho, que lhe colhesse frutos maduros em árvores mais altas que campanários ou que corresse descalço pela areia, para lhe trazer um ninho. (MADAME BOVARY p.29).
Sendo assim, a caracterização do marido de Emma, Charles Bovary, servirá para que o leitor perceba que ele não é o ideal de perfeição que ela procura. E isto leva a crer que ela não obterá a “felicidade” no seu casamento.
A um canto, atrás da porta, mal podíamos ver o novato. Era um rapaz do campo, de quinze anos mais ou menos, mais alto que qualquer de nós, os cabelos rentes sobre a testa, como um sacristão de aldeia, um aspecto compenetrado e acanhadíssimo. Embora não fosse espadaúdo, a jaqueta verde de botões pretos, muito apertada nas ombreiras, devia incomodá-lo bastante. Pela abertura das mangas, viam-se dois punhos vermelhos, acostumados à nudez. As pernas, enfiadas em meias azuis, saíam-lhe dumas calças amareladas muito repuxadas pelos suspensórios. Calçava uns sapatos grosseiros, mal engraxados, reforçados com pregos.Começou-se a recitar a lição. Ele era todo ouvidos, atento como a um sermão, sem ousar mesmo cruzar as pernas ou apoiar-se no cotovelo. E, às 2 horas, com o toque da sineta, o professor teve de avisá-lo de que era preciso entrar na fila conosco. (MADAME BOVARY p.5).
Era difícil para uma mulher acostumada a ler sobre heróis, se apaixonar por um homem risível. O casamento por conveniência não fez com que Charles conquistasse o amor de Emma e ela procurou em outros homens o que não via no marido. A sua última tentativa de sentir algo mais forte por Charles foi à ocasião da operação de Hipólito. Ela acreditou que se o rapaz fosse curado pelo marido, com a ajuda do farmacêutico Senhor Lê François, ela se apaixonaria pelo ato de glória. Mas tudo dá errado, e Hipólito quase morre depois de ser operado por Charles.
Hipólito estorcia-se em convulsões atrozes, e de tal forma, que o motor mecânico em que estava presa a sua perna batia na parede como querendo arrombá-la. (MADAME BOVARY p.133).
Sob outra perspectiva, Charles era também o marido perfeito para que Emma vivesse eventuais casos adúlteros, já que ele era facilmente dominado pelas mulheres que passavam por sua vida: primeiro pela primeira esposa, pela mãe e agora por Emma. A primeira tentativa de Emma é com Rodolfo, que vai procurar ajuda ao seu marido e se encanta pela beleza e pelo espírito de Emma que não se sente mal ao ver uma sangria. Quando Emma está com ele, ela faz a felicidade do lar e se torna uma esposa melhor e mais carinhosa com Charles. Os dois planejam fugir, mas quando Rodolfo vê que os propósitos românticos de Emma, ele a abandona e desencadeia uma crise que quase a leva à morte e faz com que Charles gaste muito no seu tratamento.
Experimentou comer. A comida sufocava-a. Desdobrou, então, o guardanapo, como a examinar nele as costuras; quis prender realmente a atenção nisso, contar os fios do tecido. De repente, a lembrança da carta lhe voltou. Tê-la-ia perdido? Onde a encontrar? Mas sentia tal fadiga de espírito, que nunca teria sido capaz de inventar uma desculpa para sair da mesa. Além disso, tornara-se fraca, tinha medo de Carlos – ele sabia de tudo, tinha certeza! (MADAME BOVARY p.152).E o pobre homem, além de tudo, tinha falta de dinheiro! (MADAME BOVARY p.155).
Emma tem a sua primeira decepção e não está preparada para isto, já que os manuais de felicidade que ela conhece bem, sempre terminam com um “Happy End” e ela não conhece a outra face das histórias de amor. Quando recuperada, encontra um amigo da família, o jovem Leon. Eles iniciam um caso e madame Bovary começa a construir o seu trágico fim. Com medo de perdê-lo, ela se afunda em dívidas e no consumismo e quando é abandonada, não encontra outra forma melhor escapar da reprovação de todos e opta por se suicidar. Uma morte lenta e agonizante não só para ela, mas para os que a acompanharam no seu sofrimento:
...Emma começou a gemer, a princípio muito fracamente. Sacudiam-lhe os ombros grandes arrepios e tornou-se mais branca do que o lençol em que cravava as unhas. O pulso irregular era agora quase insensível. (MADAME BOVARY p.233).
Podemos dizer que Emma Bovary viveu intensamente a sua vida, embora ela acreditasse não ter encontrado a felicidade, já que nenhum dos seus casos teve uma final feliz, mas o importante na caracterização da protagonista deste romance, é que ela era uma mulher filha do seu tempo e que representava uma burguesia ascendente na época. Por isso, o escândalo que causou na sociedade francesa do século XIX quando sua história veio a público. Muitos acreditaram não estar lendo uma história de pura ficção, tamanha era a verossimilhança de Emma que lhe davam uma alcunha de “retrato da burguesia”, o que machucava muito a instituição familiar pregada por ela. Através de uma análise sociológica, o narrador nos leva a conhecer a vida desta mulher, que morreu na tentativa de encontrar a emoção do herói que desejava tanto. Ela não conseguiu alcançar os seus objetivos, mas viveu intensamente cada instante dos seus romances, todos com desfechos trágicos, nos quais ela terminava abandonada e rejeitada por um “herói sem caráter” literalmente.O romance “Dom Casmurro” trás uma situação diferente dos outros dois analisados neste artigo. A história narrada nele, tem apenas uma versão: um homem ciumento e rancoroso, que acredita ter sido traído pela mulher que mais amou, conta tudo sobre seu romance, desde o início até a separação e por fim, a solidão no fim da vida. Em nenhum momento ele permite que Capitu se defenda e todos os sentimentos desta, são filtrados por ele, numa análise do caráter da esposa já falecida. Capitu, com seus olhos de ressaca, nos é descrita por seu marido Bento num momento no qual ele está convicto da sua traição. A protagonista é uma mulher de comportamento questionável para a sociedade do século XIX, ela toma a iniciativa em vários momentos da relação, isso se deve a força do seu temperamento em contraste com a fragilidade e o lado passional tão evidentes em Bentinho.
Em vez de ir ao espelho, que pensais que fez Capitu? Não vos esqueçais que estava sentada, de costas para mim. Capitu derreou a cabeça, a tal ponto que me foi preciso acudir com as mãos para ampará-la; o espaldar da cadeira era baixo. Inclinei-me depois sobre ela, rosto a rosto, mas trocados, os olhos de uma na linha da boca do outro. Pedi-lhe que levantasse a cabeça, podia ficar tonta, machucar o pescoço. Cheguei a dizer-lhe que estava feia; mas nem esta razão a moveu. - Levanta, Capitu!Não quis, não levantou a cabeça, e ficamos assim a olhar um para o outro, até que ela abrochou os lábios, eu desci os meus, e... (DOM CASMURRO p. 66).
Esta característica sedutora de Capitu cria um contraste e que não é bem vista pela sociedade, mas proporciona à Capitu muitos aliados que no começo opuseram-se a ela. O ciúme de Bentinho é construído aos poucos, como se houvesse um Iago colocando em seu coração uma desconfiança em vários pontos:
... Capitu e a passagem de um dandy... Ora, o dandy de cavalo baio não passou como os outros; era a trombeta do juízo final e soou a tempo; assim faz o destino, que é o seu próprio contra-regra. O cavaleiro não se contentou de ir andando, mas voltou a cabeça para o nosso lado, o lado de Capitu, e olhou para Capitu, e Capitu olhou para ele; o cavalo andava, a cabeça do homem deixava-se ir olhando para trás. Tal foi o segundo dente de ciúme que me mordeu. (DOM CASMURRO p.123). ...Os braços merecem um período.Eram belos, e na primeira noite que os levou nus ao baile, não creio que houvesse iguais na cidade, nem os seus, leitora, que eram então de menina, se eram nascidos, mas provavelmente estariam ainda no mármore, donde vieram, ou nas mãos do divino escultor. Eram os mais belos da noite, a ponto que me encheram de desvanecimento. Conversava mal com as outras pessoas, só para vê-los, por mais que eles se entrelaçassem aos das casacas alheias. Já não foi assim no segundo baile; nesse, quando vi que os homens não se fartavam de olhar para eles, de os buscar, quase de os pedir, e que roçavam por eles as mangas pretas, fiquei vexado e aborrecido. Ao terceiro não fui, e aqui tive o apoio de Escobar, a quem confiei candidamente os meus tédios; concordou logo comigo. (DOM CASMURRO p.160 e 161).
Uma situação interessante presente no romance, é que num dia crucial para o desenvolvimento do enredo, o velório de Escobar, Bentinho acredita ver uma lágrima nos “olhos de ressaca” de Capitu, isto acontece numa sala cheia de pessoas, num ambiente em que a visão pode ser deturpada, como ele pode terá certeza de que era mesmo uma lágrima? Situações como estas colaboram para que o leitor fique confuso e não se solidarize tanto com o narrador Bentinho, que fica cada vez mais solitário sem ter mesmo nem a compaixão e compreensão dos leitores.
...Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas...(...) Momento houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã. (DOM CASMURRO p.183).
Portanto, a dúvida plantada no coração do leitor por Machado de Assis vai muito além da tradicional “Capitu traiu Bentinho ou não?” A questão é: ela teria coragem de trair os sonhos e a pureza da infância ou tais sentimentos não existiam?
...se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca. (DOM CASMURRO p.209).
Sendo assim, temos uma situação adversa, já que uma sociedade machista como a do século XIX, chega a ser seduzida por Capitu, uma mulher considerada adúltera. Esta mesma sociedade, desconfia dos argumentos de um marido possivelmente traído, que teria todas as razões para desprezar a esposa, segundo as normas vigentes naquela época. Isso se deve a forma como o foco narrativo guia o leitor através de situações ambíguas, que fazem com que a famosa questão “Capitu traiu ou não?” se torne um mero detalhe, perante a riqueza dos argumentos de um narrador que quer a todo custo, fazer com que o leitor se compadeça dele e da sua dor.
Os três romances têm uma semelhança primordial, o adultério feminino. Num deles, “Dom Casmurro” o adultério não é comprovado, fato que se deve a uma forma de narração em primeira pessoa, na qual um marido ciumento e cego por este sentimento acredita ter sido traído não só pela esposa, mas também pelo melhor amigo. Outra semelhança entre os três romances é o tempo do enredo: todos vivem suas histórias de amor, desconfianças e traições no século XIX, mas em países diferentes: na Rússia Czarista, na França Burguesa e pós-revolucionária e no Brasil do Império. Dois romances, “Ana Karênina” e “Madame Bovary”, são narrados em terceira pessoa, já “Dom Casmurro” é narrado pelo marido de Capitu, o que leva o leitor a desconfiar dos fatos que este apresenta, já que ele não permite que Capitu, em nenhum momento, tome a palavra e se defenda das acusações que o marido faz. As três protagonistas tiveram filhos, Ana teve um filho do marido, que ela acabou abandonando, e uma filha do amante. Emma teve uma única filha, que em meio ao seu egoísmo e ao seu tédio da vida, não conseguia fazer brotar em seu coração um amor que se espera de uma mãe. Capitu, por fim, teve um único filho, muito desejado por seu marido e que foi responsável por parte das desconfianças de Bento, já que, segundo ele, o filho era semelhante ao verdadeiro pai, o amigo Escobar. A forma como elas agiram com seus filhos deixa claro que elas não são mulheres como “pede” a sociedade, pois, tinham em primeiro lugar, sentimentos próprios em detrimento dos filhos. Elas não deixaram de ser mulher para ser mãe. Assim, Ana deixou a sociedade boquiaberta com sua atitude de deixar transparecer o amor que sentia por Vronski e abandonar o filho e o marido de tantos anos para viver com um amante que, apesar de rico, era visto como um boêmio pelo conservadorismo. Emma por sua vez, é mais discreta e até planeja uma fuga com o primeiro amante, mas esta é abortada pelo próprio. Ela choca o próprio leitor, que não se simpatiza com uma mulher como ela, que é filha da burguesia e busca no consumismo satisfazer seus desejos. Capitu, ainda menina, é a primeira a tomar posição no seu romance com Bentinho, ele chega a afirmar que é o “chorão” da história. Ao contrário dos enredos românticos, Capitu faz de tudo para seduzir aqueles que são contra seu romance e contornar situações que podem separá-la de Bentinho, a promessa de Dona Glória é uma destas situações que ela consegue desfazer, com a ajuda de José Dias, que no início era opositor a paixão dos dois. Ele acaba tornando-se seu aliado, assim como muitos leitores que são seduzidos pela presença de Capitu no romance, como uma menina que sabe o que quer e se transforma numa mulher sedutora, com seus olhos misteriosos que sempre intrigaram Bentinho e se tornaram intriga para quem lê o romance, seja qual for a sua opinião sobre a suposta traição dela. Os três autores utilizam-se de questões capciosas para intrigar o leitor. Ana Karênina é aristocrata e vive uma ótima e tranqüila vida ao lado do marido, sendo assim, não havia motivos para sentir necessidades na vida. Mas, tudo parece tranqüilo demais e ela procura nos braços do amante Vronski, a alegria e a aventura de viver um grande amor. Emma Bovary, por sua vez, deveria agradecer a Charles que lhe tirou da vida monótona do campo, mas ao tirá-lo daquele marasmo, ele não proporcionou a vida que ela esperava e, sobretudo, por sua descrição, nota-se que ele não era o marido dos sonhos de Emma. Capitu, também é tirada de uma situação adversa pelo marido: a condição de pobre, numa sociedade consumista e que visava os bens matérias, mas, a sensibilidade e a fragilidade de Bentinho não condiziam com a força e o temperamento de uma mulher tão a frente do seu tempo como Capitu. Teria ela procurado nos braços de um amante forte, o filho que Bentinho não foi capaz de lhe dar? Questões como estas causam no leitor uma catarse comum aos três romances: a dualidade quanto à questão moral. Segundo as leis vigentes naquela época, as mulheres adúlteras deviam ser odiadas e desprezadas, mas o leitor, seja do sexo feminino ou masculino, é tomado por dúvidas contrárias à moral e os bons costumes que conheceu na sua educação. É muito conhecido do público o processo contra Gustave Flaubert por imoralidade, na época da publicação de “Madame Bovary”. No julgamento, ao ser indagado “Quem era Madame Bovary?” ele apenas respondeu: “Madame Bovary sou eu”. Seu intuito era criticar a sociedade francesa representada por Emma Bovary e não a alguém em particular. Assim, cada uma destas três mulheres representa um pouco da situação vivida pela sociedade russa, francesa e brasileira em meados do século XIX, um século confuso, dividido entre o cientificismo e o cristianismo que não queria ceder lugar a este. Um século que vivia as conseqüências da Revolução Francesa na qual nobres perderam a cabeça, mas o poder acabou passando para outra classe, a burguesia, e formou uma classe que vive até hoje as injustiças daquela época, o proletariado. Seriam então, Ana, Emma e Capitu fruto de um espaço ou pessoas com uma índole já formada desde a infância? São questões que não devem ser respondidas, pois suas respostas são um conjunto de convicções do leitor, unidas ao estilo narrativo presente nos romances. O marido de Ana, Karenin, é um personagem dúbio, às vezes parece estar apenas preocupado com sua posição social e um escândalo que o adultério da esposa pode causar. Mas, quando Ana dá a luz à filha do amante, em sua casa, e fica entre a vida e a morte, sua sensibilidade e sua forma de agir com ela e a criança, traz ao leitor uma nova visão daquele homem aristocrata, uma visão diferente, mais sensível e até mesmo, de pena. Já Charles, marido de Emma é muito ingênuo e se deixa dominar pelo leitor, ele também é digno de pena e em certos momentos, chega a ser risível a sua ingenuidade e os cuidados que desvela para Emma quando ela fica doente ao ser abandonada pelo primeiro amante. Bentinho, por sua vez, causa raiva nos leitores seduzidos por Capitu e que acreditam na sua inocência. Ele se torna cada vez mais sozinho, e não pode contar nem com a solidariedade da sociedade à qual escreve. Um homem frágil, que se torna um casmurro na velhice. Neste período da sua vida, as alegrias do passado são substituídas pela solidão do presente e ele procura escrever suas memórias para unir o passado e o presente, por isso, constrói uma casa semelhante à casa de sua infância, alegando que esta já não lhe reconhece. São três homens que podem ir de vítima a algoz, mas através da pena sutil dos três autores se tornam dúbios aos olhos do leitor e causam os mais diferentes sentimentos. A sensualidade presente no enredo dos três é muito discreta e velada, isso porque a os conceitos da moralidade ainda não permitiam que o amor entre os casais protagonistas fosse explícito, afinal de contas, jovens leitoras iriam ler o romance. Ana se entrega a Vronski cheia de dúvidas e angústias, numa mistura de prazer e culpa que se estende por muito tempo, até engravidar e ter certeza que o filho é do amante, já que o marido não mantém relações íntimas com ela há mais de seis meses. Emma, no seu desejo de viver uma paixão como nos livros que leu no passado, se entrega freneticamente aos seus amantes e durante estes períodos, se torna mais doce e amável com o marido e com a filha. No romance “Dom Casmurro’’, há um capítulo que parece ter sido escrito só para servir de dúvida sobre o suposto caso de Capitu e Escobar. Certa noite, na qual Bento convida a esposa para ir ao teatro, ele se nega e diz ter dor de cabeça, mas ao chegar mais cedo em casa, ele encontra o amigo Escobar no corredor, este alega que estava à espera de Bento e eles iniciam uma conversa. É uma situação que Bentinho vê com outros olhos quando acredita na traição. Para ele, naquela noite talvez eles tivessem gerado Ezequiel, e esta é uma questão que ele se coloca a refletir depois da morte do filho. “Qual teria sido o dia da criação de Ezequiel?”. O foco narrativo leva o leitor a se identificar com as protagonistas ou não. Numa análise sociológica, o intuito de Gustave Flaubert ao escrever “Madame Bovary” é criticar a burguesia francesa ascendente no século XIX, portanto, através de sua narração, ele constrói uma personagem com uma característica pouco atraente ao leitor: A futilidade. Emma é uma mulher consumista e que passa por cima de qualquer coisa para conseguir sua felicidade, que na sua concepção, é ter um amante e viver aventuras e paixões avassaladoras como as dos folhetins. No romance, Emma casa-se tentando encontrar a felicidade, arranja amantes para encontrar a felicidade e compra muitos presentes a estes amantes e coisas para si própria para tentar manter esta felicidade. Ela tem relações vazias e baseadas no materialismo, o que representa o individualismo crescente na sociedade francesa pós-revolução industrial. Agora era cada um por si, uma livre concorrência nem sempre justa, já que os industriais com mais recursos passavam por cima de qualquer pequeno artesão ainda remanescente dos tempos passados. O “lugar ao sol” era necessário para se firmar como burguês. As aparências deviam ser mantidas para que esta classe se consolidasse como a classe dominante, perfeita e feliz. Nascia então, a hipocrisia, tão criticada por Flaubert através da figura de Emma Bovary, que é gentil e solicita ao marido enquanto está com seus amantes, que contrata uma ama de leite para criar a filha para ter mais tempo de pensar em si própria e nos seus anseios... são as relações mecânicas que nasciam com a nova era industrial, o ser humano cada vez mais mecanizado e individualista. Através da figura polêmica de uma mulher adúltera, Flaubert constrói um retrato francês da sua época, se transformando num cronista das coisas que a burguesia tentava esconder a qualquer custo. Isto é a razão das críticas e até mesmo um processo contra ele. Ninguém queria se ver retratado como o risível Charles Bovary, os cafajestes amantes de Madame Bovary e principalmente, como a própria Emma, que não consegue alcançar a felicidade que ela tanto almeja e que sem forças para enfrentar as situações que criou, se suicida, como se isto apagasse todos os erros que cometeu. Como cartada final, Flaubert coloca Emma como uma covarde. Tolstoi, através da sua narração, conseguiu empregar dignidade à Ana Karênina, mesmo tendo os preceitos morais contra ela. Ana teve apenas um amante e este foi o amor da sua vida, sua ruína, isso a torna, perante a sociedade que condena a promiscuidade, mais digna do que Emma, por exemplo, que se envolvia em paixões sem raízes. Ana aceitou, com relutância, se entregar a um homem que não era seu marido, esta era uma situação de adultério, mas o maior escândalo foi o fato do casal de amantes não ser discreto e deixar seu amor transparecer a todos. Ora, a mãe de Vronski não tinha vivido casos extraconjugais também? Ela não era vista com maus olhos por ter feito tudo às escondidas e não ter tido a coragem de abandonar seu marido e filhos para viver nenhum grande amor, talvez porque ela só tenha vivido aventuras e o grande mau, era amar de verdade e se perder por este sentimento. Tolstoi, através de sua pena, cria uma personagem com sentimentos e fraquezas bem comuns a qualquer ser humano, ela tem medo de se entregar ao amante não pela culpa, mas pelo julgamento que iria receber se isto acontecesse. Depois de estar com o amante, ela tem medo de perdê-lo, pois conhece a fama do amado e acha que pode ter sido só mais uma conquista que agora não era mais interessante para ele. Mas em seu íntimo, Ana usava este ciúme como uma forma de se culpar por ter feito algo que não era correto, por isso ela não se permite ser feliz e é cercada por lembranças que a escravizam, como a imagem do camponês morto no dia que conheceu Vronski. Desta forma, o foco narrativo leva o leitor a ter compaixão por Ana, e aquele que se identifica com ela, fica satisfeito após o desfecho triste da personagem. Ela se atira debaixo dum trem, na mesma estação onde ela e Vronski se conheceram, numa cena cercada de simbologia para ela. Lá, onde tudo começou tudo iria terminar para ela, mas para Vronski, restaria uma eternidade de culpa, por ter deixado-a de lado. É o último resquício de orgulho e humanidade para ela, um sentimento de vingança faz com que tenha coragem de tirar a própria vida. Sendo assim, nota-se que Tolstoi pretendia criticar através de Ana, a sociedade hipócrita que aceitava o adultério, mas não o divórcio. A trajetória de Ana retrata a vida da mulher naquela sociedade, que devia ser submissa como Dolly e aceitar as traições do marido, já que o adultério masculino não é visto de forma ruim. Isto faz com que o romance de Tolstoi tenha uma ligação com a obra de Flaubert, cada um ao seu modo, eles criticaram a sociedade na qual viviam através das situações e personagens que escreveram. No romance “Dom Casmurro” temos uma situação atípica dos outros dois analisados: a narração em primeira pessoa. Pela primeira vez, um marido toma a palavra e decide contar uma história de amor frustrado, uma situação incômoda e constrangedora. Ele acredita que existe uma única verdade; a de que foi traído pela esposa e melhor amiga e pelo amigo compadre Escobar, e, além disso, nem um filho não lhe restou, já que ele vê semelhanças suficientes entre o menino Ezequiel e Escobar para afirmar que eles são pai e filho. Bentinho tenta através de sua história, atar o passado e o presente. Mas se ele vivesse até nossos dias, ficaria frustrado, já que sua amada Capitu, sedutora como sempre, seduziu o leitor que fica em dúvidas sobre os argumentos daquele marido ciumento. O seu ciúme é um dos motivos para o leitor desconfiar...ele poderia estar cego por este sentimento e ter interpretado situações de uma forma diferente da realidade. A narração do livro leva o leitor a uma dualidade que não lhe permite aceitar qualquer fato como verdade absoluta. Em nenhum momento Capitu toma a palavra e se defende. Até mesmo alguns fatos que Bento apresenta não são tão confiáveis, como a semelhança entre Ezequiel e Escobar, por exemplo. A mãe falecida de Sancha, esposa de Escobar, era muito parecida com Capitu e elas não eram mãe e filha. Escobar no corredor da sua casa numa noite em que ele estava fora poderia estar mesmo apenas esperando o amigo. Machado de Assis, como retratista da realidade, descreve Capitu como uma filha de seu tempo. Uma mulher sedutora, como o próprio período do século XIX com seus avanços e sua burguesia que afloravam; mas acima de tudo, uma mulher que sabe conter-se perante a sociedade. Ela, com seus “olhos de ressaca” se tiver mesmo traído Bentinho, como ele acreditou, foi muito discreta e seu único erro, foi ter tido um filho do amante, que agora denunciava sua condição. Bento, como filho da burguesia, procura viver sua vida calma com a família, sem problemas externos para se preocupar. Mas ele escolheu uma mulher a frente do seu tempo e isto pode ter atrapalhado os seus planos, assim como tudo que foge aos padrões atrapalha os planos da burguesia. Como não comparar três romances que têm como fio condutor três mulheres subjugadas por sua época e que intrigam leitor até hoje? Como não comparar três obras escritas num mesmo século, em três países diferentes, mas que contam com julgamentos tão semelhantes? Como não comparar três obras nas quais o foco narrativo guia a opinião do leitor e descreve cada uma das protagonistas como retratos do seu tempo e da sua sociedade? Por isso que entre as suas diferenças e semelhanças, “Ana Karênina”, “Madame Bovary”, “Dom Casmurro” são mais que simples histórias de amor, são histórias da sociedade.